Vontade de saltitar descalços de orgulhos
Lmbrando tantas vezes Kiev, cidade com irmãos e filhos como os nossos e pais como os de Mirandela!
A magia da música com volume e ritmos desapressados, a tocar a alma, enquanto lemos um belo poema, num livro de páginas cheirosas, de damasco, macias ao dedilhar, num rodopio de palavras que nos consolam, que nos aguçam o espírito, entre devaneios tantos, de março domingueiro, sob a luz sépia, quase bronze como os solos de lá, e do prado de oliveiras, em fim de tarde latino, como nos filmes de acento francês, pontuado com pepitas cor de flor de amendoeira.
Aquelas que nos atiçam a vontade de saltitar, descalços de orgulhos, atrás do sol, o astro da vida que, ora sisudo ora de sorriso, se põe a Oeste, atrás da montanha, ali onde soam, com ecos, com vagas de ressonâncias dos ventos de Norte perturbados pelos faróis dos carros, os dos homens que rasgam a paisagem...
Sim, as flores amarelas, petizes, natureza pura, ainda são carpete de sonhos, onde me sentei, só dos ousados, outrossim, que o zum zum, zum das abelhas cor de mel vão adormecendo para um serão frio, na Terra Quente, de azul quase estrelado, curiosa ironia que lembra a bandeira da Ucrânia.
O assobio do pássaro, ao longe, tipo, humano, interpela-nos, em todos os sentidos, no quase luar minguante!
Volto-me para nascente, não ouço o rebombar das bombas a Leste, nem os gritos lancinantes dos inocentes, só vejo os cavalos que pastam graciosos no vale de verde viçoso, à frente da cabana, que vão dormir, como o rebanho de ovelhas que, à ordem do pastor solitário, como na canção, sobem a colina, guardadas por dois cachorros que ladram só porque sim…
E logo as lãs, em fila ordeira, se escondem atrás do monte das oliveiras, com sopé de trilhos de ferro de um progresso, outrora a vapor, caído ora em ruína, por terras de Mirandela... À margem do Tua, rio de filões minerais que os romanos exploraram, hoje calados.
Já na pequena urbe, homens enrugados, desconsolados por vidas duras, esbracejam, bebem minis no tasco do costume, numa parafernália de conversas sobre as guerras fratricidas de hoje dos povos eslavos, irmãos desavindos, sem culpa, pela ganância de tiranos, cinzas nos pensamentos, num dia como outro qualquer ou talvez não, que eu vi passar, caminhando, olhando para tudo ou nada, de olhos fechados, lembrando tantas vezes Kiev, uma cidade com irmãos e filhos como os nossos e pais como os de Mirandela!
Ali João Paulo II, o Homem de Branco, um dia ergueu as suas preces, num momento perpetuado por nuvens de inquietação com as loucuras paranoicas dos Homens de ourora e de hoje.
06 de março de 2022