Saborear sem pressas, à bolina de acordes gourmet de guitarra, cordas em flor, à beira rio, nos dias cinzentos, de meia luz…
Das chuvas que choram nos prados, nas folhas de outono que chocalham terras ressequidas das estivas, nas noites vigilantes que não dormem…
Nos instantes das memórias, do rastro que atrai o poeta ao limbo da alienação, no ontem, hoje e, fogachos de quartzo de amanhã…
Borrifados numa pauta de neblinas, como rescaldos à ré, de refregas por ousar, à espera de respostas que calem o desassossego…
De gritos mudos, do tempo finito, outrossim, vendo de olhos fechados, as calhas do silêncio, qual homem, como qualquer que respira…
Que sente o pulsar nos punhos, nas palmas quentes, apertadas, para agarrar tanto, de coisa alguma, que, como disforme, preenche a senda dos desventurados… quase poetas, como o que vejo ao espelho grisalho pelo tempo…
Só porque, talvez, passo por aquele cabo ventoso, de trovadores, onde na rocha me sento, calado, ante o traço de sol entre nuvens, qual flama que esquenta os sentidos…
Sem ver, aos pés do farol alto, ouço alaúdes na pele, cantigas de amor da Galiza, da Celtibéria, nossa “mátria” ancestral, que “cousa axim”, no regaço do alvarinho, tanta embriaguez como em Finisterra…
Fim do “camiño” de Santiago, onde repousam as solas gastas de tantos passos cumpridos com cajados, nas cercanias e lonjuras, ao pé da maresia e nas penhas dos “loivos”…
Imagino atrás do “Xurez”, em contraluz, um gaiteiro celta tocando melodias de outrora, belas sem fim, que ecoam em avalanchas das “Rías Bajas” até à Torre de Hercules, na Coruña, da luz romana que apaga as trevas, mar adentro…
Sempre fui sonhador, devaneios almejar Sonhei tudo, sem nada, com dor ousei Corri, caí, ergui, quedei, chorei, a fraquejar A meia-luz, refúgio, postigo sou, eu sei!
As palavras têm o tamanho e as formas que queiramos dar-lhes.
São como peças de Legos que, sentados no quarto, de meninos de sandálias, vamos montando de olhos felizes, para criarmos castelos encantados, casas de bonecas, de príncipes e princesas...
E quando a alma do artífice não é pequena, os castelos trajam-se com vestes de gala, bordados com linhas de ouro, e bandolins medievais ali tocando, para, em apoteose, abrir alas a um cortejo real, com trovadores, alquimistas e almocreves que dão cor sépia ao mundo de maravilhas que sonhamos fazer parte, num cavalo branco, o Pégaso do Olimpo, com asas de plumas, até ao fim do horizonte...
... o transcendente esconde-se no trivial, mas é para lá que os mortais miram, chamados por quem chama, num exercício algures entre a crença no subliminar e a casca de noz em que, à bolina, vamos por águas aquém do Bojador, por oceanos já navegados…
São fofinhas, são, dizem os românticos, o afago para a dor dos enamorados...
Dos corações que clamam por um carinho, da cara-metade que conforte quem tão agreste momento suporta!
Elas, as senhoras nuvens são de compota de amoras brancas
Saboreia e parte até onde ousar o desejo.
Ao olhar para baixo percebe que a luz do dia é cristalina e ilumina os audazes!
Há um lago imenso de anseios, de coisas por fazer, de coisar por falar, num contrarrelógio cruel
São saltos para a incerteza dos medos, mas tão perto do prazer, num rebuliço de sensações, que se quer parar num tempo sem relógios!
E ficar ali a saborear até que a noite abrace o dia, num leito de morangos feitos safiras
Pare-se o tempo, feche-se a janela do mundo e, a sete chaves de chumbo, quedemo-nos num antro de lírios e margaridas, até a fadiga adormecer em sonhos de poetas!