Tanto regalo para admirar, nesta natureza imponente, agora com o rio Tua
Há momentos assim, num fim de tarde, sem contar, num passeio de domingo, por altos e baixos de vinhedos, em socalcos vestidos com tons de outono - que belos são - depois de saboreados os medronhos, tão doces, por terras do Vale do Douro…
Tanto regalo para admirar, nesta natureza imponente, agora com o rio Tua, como uma serpente, serra fora, a caminho do abraço eterno com o Douro… no horizonte…Faz-se uma pausa nos pensamentos… Ouçamos o silêncio do Homem, ouçamos a mãe-natureza!!! E o nosso palpitar, sem mais!
Sim, um miradouro especial, uma fraga imensa, altiva, num parque natural, do Tua, onde, reza a tradição, se ouve o mítico Ujo, à noite, ou as águias cobreiras que patrulham os céus, sob um sol de novembro, que se põe, às portas do inverno que vai chegando… como no "jogo dos Tronos"...
Desfrutar, quase em silêncio, por favor, a pedido do guia!
Por aquelas bandas de Miranda, o Douro é esguio, curvilíneo, para rasgar o maciço granítico, empreitada de milhões de anos, esventrando no seu trilho encostas imponentes para onde olhamos com espanto… percebendo a nossa pequeneza…
E a "barca" passa quase encolhida, navegando pachorrenta, contra a corrente da "modernidade", em águas de tons dourados, que dão o nome ao rio…
É reserva natural, parque para cientistas trabalhar e para turistas desfrutar, com respeito, quase em silêncio, por favor, a pedido do guia!
Fauna e flora abundam e são ricas, bem visíveis num passeio de barco com sotaque castelhano, olhando o leito que une dois países, imaginando o plâncton à superfície, vendo as paredes graníticas das margens, quase verticais, com tantas plantas autóctones, quedas de água e ninhos de águias reais!
E, mirando arriba, o céu azul com farrapinhos de nuvens brancas, para, com alguma sorte, admirar as aves de rapina, planando em círculos, com elegância, que abundam por terras de Miranda e ouvir a passarada de abril, quando regressamos a Miranda, com a sua catedral, no topo do penhasco!!!
Tem 11 metros de altura a imagem de bronze do “Anjo de Portugal”, que encima o conjunto escultório com 20 metros de altura, evocando o nome das 59 vítimas mortais da tragédia de Entre-os-Rios, ocorrida no dia 4 de março de 2001.
Pode ser visto na margem esquerda do rio Douro, em Sardoura, Castelo de Paiva, no local onde ocorreu a derrocada do tabuleiro da Ponte Hintze Ribeiro, que liga ao concelho de Penafiel.
É uma imagem que me impressiona sempre que lá passo, não deixando de recordar, com enorme pesar, aquela data que me marcou profundamente como jornalista e como pessoa, porque também lá estive poucas horas após a tragédia, acompanhando as operações de resgate, escrevendo dezenas de peças sobre o tema nos dias e semanas seguintes.
No interior do monumento, onde o silêncio homenageia quem partiu, podem ser vistas as fotografias e os nomes das 59 vítimas, além das flores em sua homenagem!
O rio Douro é uma torrente de emoções quando o olhamos com vistas de ver, do cimo da serra, entre nuvens graciosas que o saúdam, como dedos que tateiam num veludo azul-celeste, com bordos de ouro.
O que vemos então? Vemos tanta água que brilha aos fios de sol, perpassando montes e vales, num leito curvilíneo, majestoso, como o rabelo, que segue até "Portus Cale".
Sob pontes do comboio, deixando para trás tantos socalcos de beleza, de miradouros com pedra de xisto, de cerejais sem fim, de ermidas e mosteiros românicos, de romances de Eça, de devaneios de Torga, ou dos néctares de Baco, sob a forma de cálices de Porto.
O nosso Douro é imenso, belo sem igual, quando, trajado de primavera, em veste de gala, abraça as duas urbes irmãs, que são uma apenas!
Velhas vilas, que soçobram entre si, na sua essência, na sua partilha, unidas por taninos redondos, por pontes de paisagens, “estórias”, gentes e cumplicidades, como as que sentimos em Miragaia ou na Afurada, quando à beira rio caminhamos de gelado na mão, respirando a aragem salgada que vem do mar, rio acima, num rabelo às tantas, e nos penteia o cabelo que, como o nosso espírito, ondula livre como os pássaros marinhos que sobrevoam a Sé, num céu tão azul, com tanto sentido!
É como o milhafre da canção do Rui Veloso, que assobiamos ali, de coração cheio, trauteando aqueles versos que falam tripeiro, sentados no muro, vendo os barcos que sobem e descem as águas e ouvindo a cacofonia poliglota dos turistas, aos magotes, que passam na calçada, posando tantas vezes para mais uma fotografia com as mil pontes do Porto em pano de fundo, como no cinema de Manoel de Oliveira, mas sem o preto e branco, que também são as cores da Invicta que amamos!
E rabelos de sotaque encorpado na Ribeira com sabor a dobrada
A luz do nosso Porto, com tantas nuances, tantos traços até às águas, sombras e brilhos, é um cenário inigualável que o mundo só agora descobriu, conferido pelo Douro, de travo refinado, primaveril, as suas várias pontes de mil formas, pelos putos destemidos que mergulham do tabuleiro, pelos rabelos com sotaque encorpado, bandeiras ao vento Norte, e pela Ribeira das peixeiras e tabernas com sabor a dobrada e bifanas, como dos músicos, que se estende de elétrico, do palácio de cristal, dos apaixonados até à Foz, dos passeios alegres e finais de tarde, à espera do São João, vendo o pôr do sol quase púrpura, atrás da silhueta escura do navio que, roncando, rasga o fio de mar cheio de tudo e de nada, a caminho de Leixões!
Com a Ponte de D. Luiz I agora, finalmente, de “cara” lavada, o nosso Porto ganhou novo encanto, ficando mais lindo ainda, uma autêntica tela que os pintores homenageiam, em Miragaia, e um poema que os nossos mestres rimam nas paredes fernandinas, à sombra da Sé.
Que bonita é a ponte centenária que liga à bela Gaia, de onde, entre as grades de ferro, como a partir dos rabelos, se pode ver o velho casario tripeiro que se estende, pardacento, até à Foz do Douro ou, na outra margem, as caves do Vinho do Porto, marca maior, uma cor rubi de Portugal!
Recuperar e preservar o nosso património é algo que, com letras sobre bronze, nos dignifica, porque reconhecemos os nossos pretéritos e legamos esse passado aos nossos vindouros, perdurando a nossa natureza como povo!