Caminhadas nos passadiços, com sabor e cheiro a mar
Caminhando, em boa companhia, desfrutando de todos os prazeres do momento, junto ao mar e às dunas, traz-nos tanto bem-estar que até o sentimos na nossa pele.
Por entre as dunas, na cadência da passada, da conversa sobre tudo e sobre nada, vamos olhando à volta, com o Atlântico fresco da manhã, fazendo magia, atraindo a nossa atenção!
O som das ondas pachorrentas no areal, a brisa suave e morna, de Norte, e aquele cheiro a mar que nos preenche todos os bocadinhos, tudo junto, sem segredos, numa alquimia de sensações, de mãos dadas, as nossas, que guardam cumplicidades, à bolina, até onde o acaso nos levar, sem relógio, só com telemóvel, apenas para ir fotografando cada recanto!
Numa Vila Flor, degustando o prado trajado de Primavera
É mesmo assim, encontramos quase por acaso um momento de felicidade, olhando o campo, as montanhas de curvas suaves, sentados algures em Trás-os-Montes…
Numa Vila Flor, degustando o prado trajado de Primavera… com aragem tépida, de fim de tarde de domingo… de perfumes floridos, em planos cénicos longos, ondulantes, como nos filmes franceses, ouvindo os grilos atrás da ermida de um santo que não me lembro.
Que bom, ainda é grátis, sentirmos momentos assim, de um céu tão azul com pedaços de algodão e um verde que se alonga no fértil planalto da Vilariça, às portas do Tua, terras de olivais e amendoais, onde voam as andorinhas, sobre a vila, para nosso encanto!
... tão gracioso que ainda não precisamos de pagar para desfrutar
Quando a vida é fel, por vezes, temos de parar e olhar para as coisas lindas que nos rodeiam… …
Entre elas, sim, as flores de belas cores, de fragâncias suaves, que esta Primavera nos trouxe, umas em jardins caseiros, outras, simplesmente, sortilégio, magia, da natureza, num prado qualquer…
Tudo numa aldeia ou cidade com ruas cruzadas de frustrações, angústias, raivas e tantas coisas mais de travo amargo…
Mas, bem-haja também, são ruas com vielas, trilhos, em que, ao passarmos, vemos aquelas flores que bailam ao vento com tanta formusura e sem maldade que o nosso olhar se desfaz em vénias, ficando ali à janela, ante algo tão gracioso que ainda não precisamos de pagar para desfrutar… em deleite...
Flores silvestres que brotam com o milagre renovado da Primavera
Registos fotográficos com um simples telemóvel, o que tínhamos à mão numa caminhada matinal na aldeia, aproveitando o céu azul e o sol de primavera, respirando o ar puro da ruralidade!
Em silêncio, apesar do chilrear da Primavera que chegou!!!
Às vezes, neste mundo cada vez mais digital, temos uma vontade analógica, primária, incontida, de pararmos o tempo, de ordenarmos, só com o olhar, que os ponteiros do relógio avancem em câmara muito, muito... lenta!
Para desfrutarmos de momentos raros de bem-estar, queremos junto ao peito prolongá-los, como partes da natureza maior, ancestral, onde sentimos uma energia mais forte do que nós, uma eletricidade fresca como arrepios, que brota do subsolo, corpo acima, até ao coração!
Que emerge da folhagem das árvores para os nossos cabelos, ou do riacho que, apressado, queremos convidar a ir mais devagar, levitar como véu de núpcias, branco como a fé, que cobre o leito rochoso...
E, por magia, na cascata, as águas param... e os peixinhos castanhos ficam ali, perante nós, olhando soçobrados ao instante de felicidade...
Onde, não importa quando, os raios de sol fintam as sombras da vida, cintilam como estrelas alegres para iluminarem o silêncio, apesar do chilrear garrido da Primavera que chegou!
Na minha memória, a Páscoa, nos idos anos 70 do século passado, era a fragância de flores dos tapetes coloridos nas estradas e caminhos que recebiam o Compasso, na aldeia...
Era o dia mais cheiroso do ano no meu lugar de Santo António, todas as primaveras, na idade da inocência.
Páscoa eram os asseios frenéticos da casa, dias antes, sob a batuta da minha mãe. Encerar o soalho da sala era tarefa dura, mas necessária, para aquele brilho e cheirinho especiais!
As idas à feira para comprar roupa e sapatos eram outro costume da época.
Páscoa era estarmos todos penteadinhos pela mamã, cheirosos com perfumes baratos, com camisa amarela de vastos colarinhos, calça vincada branca boca de sino e sapatos de verniz azul, tudo a estrear, como mandava o ritual, enquanto saboreávamos umas amêndoas cobertas de açúcar ou uns coelhinhos de chocolate.
Páscoa era, manhã cedo, ensonados ainda, receber o Compasso Pascal em casa, sonoramente anunciado, ao longe, pelos agudos das sinetas prateadas, que entravam felizes pela janela da sala, entre as cortinas tipo véu de noiva, balançando à brisa matinal.
Seguia-se o momento de beijar a imagem de Cristo, num crucifico adornado com flores pequeninas.
E o sorriso maroto para mim do senhor reitor, de vestes estranhas e dizeres impercetíveis, para a minha tenra idade.
Ele também nos salpicava com água, que a minha mãe dizia ser sagrada, mas só para os meninos bem-comportados, pensava eu, de mãos nos bolsos, a fazer figura, como os homens.
Lá em casa, a mesa da sala estava coberta por uma toalha branca, onde repousavam pequenos pratos tirados da cristaleira só naquele dia, com pedaços de pão-de-ló, doces brancos e muitas amêndoas. Também umas fatias de folar e cálices de vinho do Porto.
Por entre saudações calorosas e votos de saúde, oferecia-se aos mordomos do cortejo doces para saciar o apetite e metia-se um envelope branco num saco de pano trazido por um dos elementos mais jovens do grupo.
O azul do céu naquele dia era mais intenso do que nos outros domingos
As famílias, quase todas numerosas, saíam à porta das suas casas, impecavelmente limpas nas vésperas para receberem o Senhor, para saudar o singelo Compasso, exibindo colchas nas janelas e sacadas. Alguns lançavam pétalas de flores.
Os vizinhos conversavam, enquanto se ouviam nos céus os estrondos dos foguetes festivos lançados das redondezas do coreto, explicava o vizinho do lado.
Era uma atmosfera única, com os traquinas a correr para os campos, procurando as canas.
O azul do céu naquele dia era mais intenso do que nos outros domingos, dizia o meu pai, brincando. Os jarros da Zirinha eram tão belos no canteiro e os amores também.
Páscoa era ir depois ao padrinho Armindo, no velho Sinca 1100, do meu pai. Da rua D. João I trazia uma enorme rosca de trigo, que envergava ao pescoço, e uma nota de 100 escudos, com a imagem de Camilo e os seus bigodes, para o mealheiro, além da bênção e um saco de amêndoas de marca Vieira, bem saborosas.
No tasco do meu avô, onde éramos recebidos, a minha madrinha e tia Maria dizia, gargalhando sempre, que eu estava muito bonito e moreninho, e lá me dava uns rebuçados de café e um ovo de Páscoa, como bónus.
Nas ruas de Guimarães, cavalheiros engravatados engraxavam os sapatos à porta do café Milenário e meninos corriam alegres na calçada do Toural, entre as pombas que voavam sobre os jardins floridos e os bronzes altaneiros das igrejas barrocas da cidade-berço, badalando.
No caminho, de regresso, nas várias aldeias, íamos avistando outros compassos pascais que saudávamos com as mãos, a partir do carro, de vidros abertos.
Era muito bonito! Tantas sinetas tocando… Eu adorava e o meu pai também!
Páscoa era sentarmos à mesa ao almoço e comermos cabrito assado e arroz de forno, até não se poder mais.
Aqueles cheiros que da cozinha nos aguçavam o apetite e o meu pai sempre a chamar-me “Mindocas”, para me provocar uma risada de mimo. Sentava-me, à sua direita na mesa. À cabeceira, ele segurava por vezes a minha mão pequena. Ainda hoje sinto aquele toque quente!
E ainda vejo na mesa, em frente a mim, a minha mana com belas tranças e o meu mano mais novo desdentado, mas feliz, saboreando mais uma guloseima.
Páscoa era, à sobremesa, ter pão-de-ló tão fofo, doces brancos, leite-creme queimado sabendo a limão e poder provar um cheirinho de vinho do Porto Três Velhotes, o preferido lá em casa! Ah!!! Também havia pudim francês, para meu deleite.
Páscoa era alegria em família, o carinho do meu pai e o sorriso e a atenção da minha mãe, sempre muito bem arranjada.
Páscoa era, à tarde, sair ao largo para brincar com as crianças das redondezas, com mil cuidados para não estragar a roupa nova.
Jogar à bola estava expressamente proibido para não estragar os sapatos novos, que só voltaria a calçar aos domingos para ir à missa.
O jogo do lenço era um dos preferidos da pequenada. A macaca também, até ao lanche, com Sumol à mesa, bicas de pato e tantas amêndoas.
Páscoa era, ao fim da tarde, ir à igreja ver o recolher dos vários grupos de compassos pascais que tinham percorrido a terra, saudados pelos sinos a repique lá no alto da torre e por uma multidão de gentes alegres, como nós.
Quando éramos crianças, era tudo mais saboroso e mais cheiroso, e a Páscoa também, naquela e noutras primaveras!
Por estes dias de altos e baixos, recordo os meus queridos pais, ambos já na paz do Senhor, aos quais dedico este pequeno texto, agradecendo tudo o que de bom fizeram pelo “Mindocas” da casa lá de Pevidém: eu!
Chamaram-lhe “Trilho dos Castanheiros”, em Amarante, na margem esquerda do Tâmega – vários quilómetros de deleite para os sentidos (paisagens lindas, para os olhos, o tagarelar polifónico da passarada e o borbulhar nos açudes, para os ouvidos, e mil e uma fragâncias dos bosques das redondezas, – mas, por estes dias, quem mais ordena, são as mimosas, com o seu tom amarelo exuberante ao pôr do sol e aquele cheirinho, prenúncio da Primavera, que convida o nosso ser a contemplar, com volúpia, num banco de madeira à beira rio, cada fim de tarde deste fevereiro chorão e solarengo, mas frio, com vontade de tornar a saborear as vistas da Princesa do Tâmega, que se aconchega num peito de alma grande!
Que surpreendente e belo cantinho para contemplarmos cada nuance da natureza que o Homem quer preservar!
Que belo casamento entre a mãe-Natureza o pai-Homem, unidos num só, belo quadro que se espraia no espelho de água do Tâmega refletindo o céu borrifado de ouro e as mimosas, de pequenos botões, que apetecer tatear, cheirar, levar para casa e guardar, em segredo, num porta-joias aveludado, de azul-marinho, que reabriremos para vermos os tons perfumados da flor-de-lis com sotaque a Versailles deixado pelas invasões.
Amarante proporciona estes antros para nos arrepiar a alma, olharmos o horizonte e vermos os traços no éter quase boreal.
Caminhar ali é tão especial quanto o ar fresco que nos esfria o semblante, mas que nos impele para irmos além daquela curva e perceber o que se oculta lá.