porque a fé ali é eminente
Centenários moinhos de velas brancas são as coroas de terra nobre
Como as prateadas de Espírito Santo, porque a fé ali é eminente
Os faróis hirtos na costa alumiam o que neblina recobre
Alcatra para o almoço, peixe-espada para a janta quente
Inhame e leite, sustento açoriano, que sempre sobra
Em breve limbo de açucenas
Ao espelho fosco sou letargia
Olhos escuros, húmidos, parados
Brechas despidas de fantasia
Pensares por ora estagnados
Expressão frívola, sem luz, sim
No cantinho do costume
Riacho que desconfia do fim
À corrente do queixume
Que treme, acerca-se a cachoeira
É pequena, mas receia cair
Esconde-se na trincheira
Leito onde nada, imóvel, para fugir
Espelho: “Que pessoa és?
Braços tombados, olhar vazio?
Agarrado ao cabo com os pés?
Retorcido, sem ganas de porfio?
… Vai, deixa-te ir na corrente…
É calma, sem Adamastor, vais ver.
Dobrarás talvez pungente
Mas, se ousares, boiarás para viver.
Senta-te na folha de outono, navega!
Segue nas águas de vagas serenas
Inspira, vê a natureza sôfrega
Verás em breve limbo de açucenas
Olharás o céu desnudar-se, inspira
Invernos idos de lareira arrefecem
Mas abril da utopia desabrochará
julhos dos calores, sim, florescem!
17 março de 2022
Alegria é saboroso?
Alegria é estar em graça!
Alegria é deleitar-se com gozo
Alegria é rir sem graça na praça!
Alegria é um pavão colorido
Alegria é um peixe de coral
Alegria e um prado florido
Alegria é canto de pardal
Alegria é na lagoa a volúpia!
Alegria é abraço imenso!
Alegria é aquele arrepio
Alegria é gostinho intenso!
Alegria é assim!
Alegria é olhar a pessoa desejada.
Alegria é dar a mão, sem fim!
Alegria é gargalhar cada piada!
Alegria é caminhar ao lado
Alegria é trocar olhares
Alegria é dar colo sentado
Alegria é restituir mirares
Alegria é ofertar flores
Alegria é estar perto
Alegria é sonhar com ardor
Alegria é sofrer, peito aberto
Alegria é palrar
Alegria é confiar
Alegria é partilhar
Alegria é não porfiar
Alegria é desejar
Alegria é voltar a ter
Alegria é juntos trilhar
Alegria é a dois viver
Alegria tem aroma silvestre
Alegria tempera a alma
Alegria é papoila campestre
Alegria é dedilhar a palma
Alegria é palhaço triste que ri
Alegria é céu de sol laranja
Alegria é verde Açores, ali
Alegria é afagar a franja
Alegria é o filme da vida
Alegria é aquela banda sonora
Alegria é poema de rima sortida
Alegria tristeza não por ora.
Alegria é coração que bate
Alegria é lágrima, um fado!
Alegria é mentira a rebate
Alegria é soluço, embargado.
Quase noite neste bosque agridoce …
Troncos de árvores são formas escuras.
A lua já se ergueu, no seu despertar precoce…
O sol levou do dia curto, as agruras.
Carvalhos assustadores, nada sublimes…
Formas fantasmagóricas nas folhagens.
Aves noturnas com sonidos, como nos filmes…
De dia tão belo, agora sem fulgência, as imagens!
Meus passos repisam outono, nas folhas
Aperto o casaco, faz aqui frio!
Olhos escuros, nesta escuridão de escolhas…
Quando das copas cai forma de arrepio.
Avança-se no trilho sombrio!
Ouve-se a levada, conheço-a, ela vai.
O moinho também, além, que a noite já cobriu…
Olhar à volta, medo, a coragem que se esvai.
O manto de penumbra cobriu o meu cabelo.
Mãos nos bolsos, busco o foco salvador…
Vais ajudar-me no caminho, quero vê-lo…
A luz corta a noite, mas não certo ardor.
No estradão, ao pé da aldeia, volta a luz fria.
De costas ao bosque, é sem glória esta claridade!
Olho o resto de sol que se perde na serra que cobria…
Regresso ao mundo seguro, quase verdade!
Abro os braços meus para abraçar cada bocadinho
Abro o peito meu para sentir cada pedaço
Abro o coração meu para palpitar o carinho
Abro a alma minha para saborear o teu regaço.
Caminho ali entre carvalhos, becos e guigas
Caminho de mão dada com o rio dos altos poetas
Caminho na passerelle de belas raparigas
Caminho em solos de pintores a óleo e quiçá profetas.
Abro os olhos meus e vejo o manto da princesa
Abro os olhos meus e vejo os sabores dos conventos
Abro os olhos meus para as preces ao beato, a promessa
Abro os olhos meus tacteio as rosas dos ventos.
És bela, ò terra de gentes grandes das artes
És belo, ò Marão hirto nos cumes de orgulho imenso
És belo, ò Tâmega quando chegas ou quando partes
Sois belos, Amadeo ou Pascoaes, de esplendor intenso.
Afago os jardins das resistências heroicas ao franco canhão
Afago as praças das cheias que sangram as nossas memórias
Afago as pontes, açudes e azenhas de tempos que já lá vão
Afago violas com corações e rabecas das amarantinas histórias.
Subo a São Pedro, subo a São Domingos e a Santa Clara, em encanto
Subo as calçadas dos já partidos e miro a varanda dos reis, de São Gonçalo
Subo à Madalena, São Veríssimo, Santa Luzia e ao Covelo, que olho com espanto
Subo ao Conselheiro ou Solar dos Magalhães para o coração de Amarante, fitá-lo!
Fugas são caminhos estreitos
Fugas são labirintos sem fim
Fugas são dores nos peitos
Fugas são corações assim.
Fugas são memórias
Fugas são palpitações
Fugas são histórias
Fugas são turbilhões.
Fugas são rodopios
Fugas são olhos baixos
Fugas são arrepios
Fugas são fogachos.
Fugas são olhar atrás
Fugas são cara salgada
Fugas são aquém da paz
Fugas são a triste estrada.
Fugas são cair e cair
Fugas são recolhimento
Fugas são ter de partir
Fugas são duro sofrimento.
Armindo Mendes
Olhar as uvas que pendem das ramadas, como em tempos dos nossos avós
Já são raros esses frutos tintos assim deixando um aroma doce à nossa passagem
São testemunhos de tempos idos, quando os de Roma cavalgaram entre nós
E eles crescem, os cachos, à espera das vindimas para vinho se tornarem e nos darem coragem.
O tinto é vontade dos que provam o néctar do Deuses, sob bênção de Baco
Por cá são muitos os bebedores discípulos dessa figura divina
Em sua honra enchem canecas de carrascão e até esquecem o tabaco
E depois riem em embriaguez e cantarolam com ouvidos para a concertina
No tasco do Vasco o vinho alegra as almas e chama pelo bacalhau frito
O fiel amigo chega às mesas fumegante com os comensais nos bancos de madeira sentados
Saciam, pois, o desejo e secam o prato com a broa de milho para molhar um bocadito
E pronto, é assim no Minho, ontem como hoje, os homens comem e bebem vinho contentados.
O moinho está sempre ali, no bosque vendo as águas que passam.
Por entre as mós que rodam há tempos imemoriais, escuta as queixas
Esmaga o trigo, sim, e ouve as torrentes de angústias que no peito de outrem falam
E ele é paciente, sabe que deve ouvir os corações que batem nas deixas…
Dos queixumes de um confidente do que vai passando sob si
Nas entranhas que escondem a água, à sombra de roda, o escuro convida a testemunhos
E os que seguem sussurram sobre mim, sobre os outros e sobre ti
Das vidas cruzadas, dos desencontros, da vida sonhada feita em gatafunhos
O moinho ouvidor por agora veste-se de plantas húmidas que lhe cobrem a pele
São como carapaças com gotículas de sapiência que o fazem mais forte
E assim acredita ser audaz bastante para acomodar quem os outros repele
Esses revelam tudo e esperam um aconchego, que o futuro lhes traga sorte
É assim há tanto tempo que até o tempo do trigo já não tem sustento
As heras sobre as paredes do velho casebre são como os livros das mercearias
Registam o passado em cada folha e nele esperam o futuro a contento
Nas almas de remedeio que chegaram são a negação do que para ser feliz farias
Armindo Mendes
O que é a flor-sol que ali vejo tão singela?
Será que ela se abre para beijar os olhos pretos?
Será aquela beleza tão frágil perfume de lapela?
Ou será para o mel moreno de segredos abertos?
A flor balanceia ao vento das auroras?
Sim, ela sabe que é efémera na luz que candeia.
A flor-sol sente-se estrela por dias e especial por horas.
Bela ela é como uma dama que ao espelho se penteia.
Sem abelhas, as gotas da chuva, uma e outra, em destino perfeito!
A flor da forma do sol sabe que o seu alvéolo de beleza está no fim.
O seu amarelo-ouro vai partir e enrugado ficar sem jeito.
Cabisbaixa, vai agasalhar-se, como inverno no reino das terras carmesim.