Banco de Jardim
Armindo Mendes
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Armindo Mendes
Armindo Mendes
Quase noite neste bosque agridoce …
Troncos de árvores são formas escuras.
A lua já se ergueu, no seu despertar precoce…
O sol levou do dia curto, as agruras.
Carvalhos assustadores, nada sublimes…
Formas fantasmagóricas nas folhagens.
Aves noturnas com sonidos, como nos filmes…
De dia tão belo, agora sem fulgência, as imagens!
Meus passos repisam outono, nas folhas
Aperto o casaco, faz aqui frio!
Olhos escuros, nesta escuridão de escolhas…
Quando das copas cai forma de arrepio.
Avança-se no trilho sombrio!
Ouve-se a levada, conheço-a, ela vai.
O moinho também, além, que a noite já cobriu…
Olhar à volta, medo, a coragem que se esvai.
O manto de penumbra cobriu o meu cabelo.
Mãos nos bolsos, busco o foco salvador…
Vais ajudar-me no caminho, quero vê-lo…
A luz corta a noite, mas não certo ardor.
No estradão, ao pé da aldeia, volta a luz fria.
De costas ao bosque, é sem glória esta claridade!
Olho o resto de sol que se perde na serra que cobria…
Regresso ao mundo seguro, quase verdade!
Armindo Mendes
Armindo Mendes
Será d`ouro o que olho?
Ponto luz atrás, é folhagem?
Que dá o brilho que escolho…
Sem querer, eu grato nessa bela imagem.
Abro os olhos fechados, abraço o espírito…
Para no peito afixar cada nuance, cada raio.
Inspiro, saboreio cada fitar, sou do brilho súbdito…
Para meu espírito clarejar, ao colo caio!
Ver ouro luz em mim…
Segredar sem delongas, nem mordaças.
Porque é gula querer tanto assim…
É sentir, saborear, o quanto faças!
Armindo Mendes
Armindo Mendes
Dias curtos chegaram, opereta de tons marrom, nas folhas caídas, ao vento levadas, nas escarpas onde se erguem fernandinas muralhas...
As folhas são carpetes de pontos de bronze, como a ponte dos comboios a vapor ou paço de glórias idas, estendidas, escadas abaixo.
Ali, o sol apressado nos telhados toscos, casario das ruas de granitos do tempo, paredes cobertas por mil falhas...
Com artes dos pretéritos, os das mil e uma culturas, para – invictas e juntinhas - se espraiarem no colo do Douro, como uvas em cacho.
E as folhas outono, com timidez de cobre e toque estaladiço, flutuam, em cardume, olhando as pontes, os rabelos barcos...
Mirando a românica sé, altaneira, na colina, até provarem o sal, no Castelo do Queijo de marinheiros.
As folhas hão-de voltar viçosas, quando a primavera acordar, em gesto de esperança para júbilo de fortes e fracos…
E nos palácios de cristal de nós todos proporcionarem fresco ar, na sombra em piqueniques sermos na alma, os primeiros.
Armindo Mendes
Armindo Mendes
Armindo Mendes
Transparências são focos de luz para o coração
Transparências são partilhas, são dádivas
Transparências é como abrir o peito e estender a mão
Transparências são como caminhar sem vontades furtivas
Transparências são como falar sem chão
Transparências são abrir o âmago e deixar entrar outrossim
Transparências põe os sorrisos e os olhos com razão
Transparências são colos e afagos num banco de jardim
Transparências são palavras que se dizem sem pensar
Transparências são soslaios tão distraídos
Transparências são como dar e receber sem cobrar
Transparências são amar no canto maior dos sentidos
Armindo Mendes
Armindo Mendes
Outono é de amarelos maduros, castanhos-bronze e flores vermelhas tardias;
Outono é sala de espera para o general inverno forrada a fetos envelhecidos;
Outono é partida de migrantes que voam para o sul em grandes correrias;
Outono é tempo de nos recolhermos e nos abrigarmos, por causa do frio, nunca perdidos.
Outono é o final de tarde com sol ouro, no sal do mar, que esvai entre as traineiras:
Outono é no horizonte de além-mar um quarto minguante para as manhas da lua;
Outono é ver a natureza desnudar-se do verão e agasalhar-se nas lareiras;
Outono trava o equídeo sem deixar D. Quixote imaginar Dulcineia no fundo da rua.
Outono é Sancho recolher-se na taberna para a pança encher após venturas sem fim;
Outono é o fiel escudeiro beber vinho novo na taberna e saciar-se com castanhas;
Outono é ver D. Quixote tristonho por o frio vindouro arrefecer delírios de marfim;
Outono é ver os moinhos de vento, como soldados hirtos de lanças imaginados, de meias carpim.
Outono é resfriar arianos exércitos de batalhas lá na Rússia para foices e martelos os derrubar;
Outono é soldados de suástica nas taigas que padecem às agruras das neves árticas;
Outono é ver combates em Leningrado, com brancas vestes de carne para canhão lamentar;
Outono é cada anónimo, cabo ou capitão, com famílias para trás, que sucumbe sem cartas mandar, das américas ou das áfricas.
Outono é ter heróis dos desertos ou das terras do sol nascente que retornam ao lar;
Outono é gritar vivas nas terras do tio Sam, bandeiras ao vento, é ver pais de rostos molhados e filhos com as vidas em pedaços;
Outono é os governos que escrevem cartas às viúvas e às mães desafortunadas que querem apenas os filhos chorar;
Outono é ver o capacete baleado sobre o cano da espingarda, num lar de pesadelos de sobrevivos nas mães em regaços.
Armindo Mendes
outono de 2019
Armindo Mendes
... ele chegou sereno, protegendo os olhos da luz de outono, de um cair da folha mundano, perto da capela de Santa Marta, que avisa, ao entardecer precoce, para os dias de Plutão, gelados e efémeros, e as noites de Saturno, gigantes e místicas, aquelas em que nos cobrimos com os anéis como camadas de memórias que giram em rodopios lusco-fuscos, num firmamento de devaneios... como uma história interminável...
Armindo Mendes
A olhar o céu, daqui para lá, como nos símbolos que no traçam em sonhos, como buscando no transcendente o caminho certo que todos ousamos querer trilhar, sem certezas de quase nada!
Armindo Mendes
O moinho está sempre ali, no bosque vendo as águas que passam.
Por entre as mós que rodam há tempos imemoriais, escuta as queixas
Esmaga o trigo, sim, e ouve as torrentes de angústias que no peito de outrem falam
E ele é paciente, sabe que deve ouvir os corações que batem nas deixas…
Dos queixumes de um confidente do que vai passando sob si
Nas entranhas que escondem a água, à sombra de roda, o escuro convida a testemunhos
E os que seguem sussurram sobre mim, sobre os outros e sobre ti
Das vidas cruzadas, dos desencontros, da vida sonhada feita em gatafunhos
O moinho ouvidor por agora veste-se de plantas húmidas que lhe cobrem a pele
São como carapaças com gotículas de sapiência que o fazem mais forte
E assim acredita ser audaz bastante para acomodar quem os outros repele
Esses revelam tudo e esperam um aconchego, que o futuro lhes traga sorte
É assim há tanto tempo que até o tempo do trigo já não tem sustento
As heras sobre as paredes do velho casebre são como os livros das mercearias
Registam o passado em cada folha e nele esperam o futuro a contento
Nas almas de remedeio que chegaram são a negação do que para ser feliz farias
Armindo Mendes
Armindo Mendes
Na levada do meu bosque, na minha pequena aldeia, aquele sítio mágico onde nos quedamos, de quando em vez, sentados na pedra coberta de musgo, como neste dia de quase outono, de sol apressado, entre a folhagem bronzeada.
Para, sem pressas, fecharmos os olhos e vermos sem olhar o passado, sentirmos o presente e, iris fitadas nas águas que correm para o rio, que vamos penteando com os dedos, instarmos o futuro e revelar-nos se amanhã vai ser como hoje ou se ontem, na alquimia do tempo, já foi e vai passar logo, no ocaso deste dia, ou de outro qualquer do calendário dos desassossegos que as flores de outono ressoam.
Armindo Mendes
O que é a flor-sol que ali vejo tão singela?
Será que ela se abre para beijar os olhos pretos?
Será aquela beleza tão frágil perfume de lapela?
Ou será para o mel moreno de segredos abertos?
A flor balanceia ao vento das auroras?
Sim, ela sabe que é efémera na luz que candeia.
A flor-sol sente-se estrela por dias e especial por horas.
Bela ela é como uma dama que ao espelho se penteia.
Sem abelhas, as gotas da chuva, uma e outra, em destino perfeito!
A flor da forma do sol sabe que o seu alvéolo de beleza está no fim.
O seu amarelo-ouro vai partir e enrugado ficar sem jeito.
Cabisbaixa, vai agasalhar-se, como inverno no reino das terras carmesim.
Armindo Mendes
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