Subindo uma calçada de Melgaço, de casario austero, à procura do castelo, percebemos uma luminária de linha contemporânea.
Que contraste com as marcas do passado!
Impressões do tempo plasmadas na muralha e na torre de menagem, com as ameias voltadas ao presente, que domina o enquadramento, sobre pedaços de nuvens e fogachos de céu azul, que completam o cenário.
Numa composição de um momento que o fotógrafo desenhou, que a fotografia eterniza, em pedaços do inverno na primavera, nas “trocas e baldrocas” das estações!
A coberto de uma textura de tons e aromas frutados
A vida é isto: vamos acrescentando saber ao longo da caminhada, como humanos, nem sempre perfeita, tantas vezes por trilhos inclinados.
Para alguns, a subida é íngreme e, a cada passo, descobre-se que certas paisagens, a coberto de uma textura de tons e aromas frutados a amêndoa, num ápice, do outro lado da colina, se revelam em rochas desengraçadas, caules afiados, sem luz, como noites sem rimas...
(Serra da Caldeirão, Algarve) - FOTO: Armindo Mendes (Direitos Reservados)
Saborear sem pressas, à bolina de acordes gourmet de guitarra, cordas em flor, à beira rio, nos dias cinzentos, de meia luz…
Das chuvas que choram nos prados, nas folhas de outono que chocalham terras ressequidas das estivas, nas noites vigilantes que não dormem…
Nos instantes das memórias, do rastro que atrai o poeta ao limbo da alienação, no ontem, hoje e, fogachos de quartzo de amanhã…
Borrifados numa pauta de neblinas, como rescaldos à ré, de refregas por ousar, à espera de respostas que calem o desassossego…
De gritos mudos, do tempo finito, outrossim, vendo de olhos fechados, as calhas do silêncio, qual homem, como qualquer que respira…
Que sente o pulsar nos punhos, nas palmas quentes, apertadas, para agarrar tanto, de coisa alguma, que, como disforme, preenche a senda dos desventurados… quase poetas, como o que vejo ao espelho grisalho pelo tempo…
Só porque, talvez, passo por aquele cabo ventoso, de trovadores, onde na rocha me sento, calado, ante o traço de sol entre nuvens, qual flama que esquenta os sentidos…
Sem ver, aos pés do farol alto, ouço alaúdes na pele, cantigas de amor da Galiza, da Celtibéria, nossa “mátria” ancestral, que “cousa axim”, no regaço do alvarinho, tanta embriaguez como em Finisterra…
Fim do “camiño” de Santiago, onde repousam as solas gastas de tantos passos cumpridos com cajados, nas cercanias e lonjuras, ao pé da maresia e nas penhas dos “loivos”…
Imagino atrás do “Xurez”, em contraluz, um gaiteiro celta tocando melodias de outrora, belas sem fim, que ecoam em avalanchas das “Rías Bajas” até à Torre de Hercules, na Coruña, da luz romana que apaga as trevas, mar adentro…
Tato, poder alma de outrem afagar; Tato, dedilhar-lhe o coração; Tato, olhos sem brilho enxugar; Tato, abraço de pai em rebento filho; Tato, percorrer pele sem destino, volúpia; Tato, cama sôfrega ou dar a mão!
Olfato, prados de aroma em Sol maior; Olfato, fragrâncias do corpo doce de amoras; Olfato, entender cada flor carmesim, Afrodite até ser dia; Olfato, abrir cacifos de música em cristal; Olfato, desnudar de papoila, em pátio de Córdova, peito cheio...
Paladar, como vida, ora doce, ora sem graça; Paladar, sabor a framboesa coberta de agridoce; Paladar, manjar de castanha, espírito Luso, o fado; Paladar, gelado de manga, em dança de bombons! Paladar, amêndoas recobertas de mel, após frutos do mar!
Audição, aquele flautim de palpitações da vida; Audição, queixumes, contrabaixo sem voz, só dor; Audição, em León, delírio de Kitaro que serena; Audição, sinos de Mafra que atiçam seres sem flama; Audição, liras de assombros ou violinos de amor!
Visão, Cosmos na penumbra da sorte; Visão, ver rimas de afetos na autora; Visão, esperança nas brumas das Atlântidas, cabelos à maresia no canal; Visão, nos feitiços da Lua os fragmentos d`alma;
Visão, palatos, partituras, odores de centeio, sermos maiores!
Às vezes, a nossa alma, cova de desassossegos, transfigura o que os nossos olhos veem!
Inebriados por formosura e graça mil das flores das amendoeiras, levantamos o rosto para o calor, são pontos de luz de alva e difusos que nos interpelam a cada momento, cada piscar de olho, cada franzir, cada fogacho de sorriso de nós desnudado sob o azul céu, celeste até não podermos mais, cada ponto de epiderme, cor de xisto, subtil como o Tua.
O astro, fonte de vida, é soberano. Obscurece, com brilho de quartzo, o ferro de Moncorvo dissimulado em nuances de candeeiro, a luz nossa, tão fraca quanto a pétala de camélia de Basto que o vento leva.
Não longe de Marialva, aldeia cofre de tanta história, apontamos a lente, projeção de nós, sob tanta inquietação e registamos, sem filtros, na quietude da contemplação, a inquietação de sermos, afinal, tão frágeis, tão suscetíveis, levados pela torrente de tão humanos, como os das gravuras do Coa, no cantinho das quimeras, ora neve, ora carvão, longe ou perto de nós, os outros.
A olhar o céu, daqui para lá, como nos símbolos que no traçam em sonhos, como buscando no transcendente o caminho certo que todos ousamos querer trilhar, sem certezas de quase nada!