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Marca d'Água

Marca d'Água

12
Jan23

Tantas recordações, de calções e sandálias

Com um sabor que nunca mais encontrei


Hoje, era quase noite. O casario e ao fundo, no cimo da montanha, a Penha iluminada, numa miragem sem igual, aos meus olhos, de desventurado observador.

Acometido por maleitas do tempo, buscando uma farmácia, parei o carro e, sozinho, subi a avenida, aquela do Conde de Margaride, de tantas memórias, no meu berço, com a escola, ao cimo, a “Chico” de Holanda, onde o menino que fui se fez homem, eu!

Voltei o olhar e lá estava aquele varandim, hoje, às escuras e em silêncio, mas outrora com tanta luz, tantas histórias, tantas ilusões de outros como eu.

Apertei o casaco, fazia frio de janeiro. Mãos nos bolsos, ia subindo a rua, sem pressa, olhando as pessoas que, saindo dos empregos, num fim de tarde chuvoso, como os outros, passavam por mim, sem me verem, correndo para os autocarros, alguns com destino a Pevidém, a minha terra, de tantas recordações, de calções e sandálias.

Parei, sorrindo para mim, apeteceu-me subir e viajar no autocarro com essas pessoas para lá, sentado ao seu lado, dizer-lhes, com orgulho: sou de Pevidém, sou um de vós, vamos conversar!

Que sensação esta de nos vermos, vezes sem conta, chamados para o local onde nascemos, para as nossas origens, só porque sim. E chegados, in loco ou em imaginação, nos sentirmos aconchegados, só por estar junto ao coreto.

Caminhar na minha Guimarães, da minha meninice, da minha adolescência, é um exercício encantador, renovado, sem parar, que não consigo descrever, por palavras! Talvez só por palpitações, sob a forma de bandeiras com cruzes azuis na torre do castelo.

Passar na padaria da Paio Galvão e cheirar aquele aroma a pão quentinho, a trigos de Padronelo que nos convidam a entrar e saborear.

Olhar as montras das lojas da rua de Santo António, que já podia ver quando menino, que resistem ao tempo, como aquelas pastelarias que exibem os seus mil-folhas que tanto gosto, acompanhados de Coca Cola, sabe-se lá porquê, ou as tíbias da Ribela, singulares no sabor.

E fitar o que foi a praça da cidade, onde o meu pai, comigo pela mão, comprava os produtos para abastecer o seu café, como os tremoços para os finos ou polvo fresco, que me impressionava.

Ou numa das portas da vila, aquela casa que vendia e ainda vende café. No passado, nos idos 70`s e 80`s e hoje ainda de lá brota aquele cheiro único a café, que privilégio, numa montra sempre arranjada com lotes da melhor qualidade que brilham ao néon.

À frente, no Toural, perto da varanda onde um dia discursou Mário Soares para a multidão, o Milenário, o café das torradas maravilhosas, com a minha mãe, muito perto da casa dos chapéus, na Alameda. Do outro lado da praça, o pequeno café que servia bolas de Berlim, com um sabor que nunca mais encontrei.

Tantos sítios, tantas festas de Santa Luzia, os sinos de S. Pedro, no Toural, tantos cheiros a bacalhau frito dos tascos, tantas ruelas com cortinas que abanam aos ventos, tantos becos com sacadas floridas, tantas pracetas de japoneiras e amores perfeitos, tantos recantos de cavaleiros medievais, tantos natais, tantas páscoas, como subir as Escadinhas e ir à Feira do Pão. E lá, com o seu casario que me encanta, lembrar o pregão das mulheres que das canastras à cabeça vendiam carapaus e parar para ver a loja que outrora exibia a bola de futebol do Mundial de 1982, que eu namorei tanto, tanto tempo, na montra, até um dia a comprar, esvaziando o meu porquinho das gorjetas!

E o Chico das Novidades, na Rua da Rainha, onde comprávamos os livros escolares, não longe da Praça da Oliveira, de onde eu podia ver a bicicleta vermelha maravilhosa, parada à porta, que já me conhecia dos momentos sem conta em que eu passava diariamente em direção à escola de Santa Clara, parando junto dela, cobiçando-a. A loja também vendia pessebricos!

Um pouco à frente, outra montra com paragem inevitável, porque exibia relógios eletrónicos que me fascinavam… quase como os que eu via no Caminho das Estrelas.

E eu era um menino como os outros, mas uma criança tímida, que escrevia coisas com um olhar diferente, quase de poeta,  quiça precoce, que esboçava numa folha de papel ou no pátio da minha casa as entranhas da minha cidade e sabia de cor os nomes das ruas, dos bairros, das igrejas, dos museus e tantas outras coisas que me fascinavam, numa urbe com tantos sumos, com sotaques lindos para ouvir.

Nos meus sonhos, os meus carrinhos percorriam a minha Guimarães em miniatura, os meus cowboys e soldadinhos, em tantas aventuras, que eu inventava, ao estilo Balada de Hill Street, Uma Casa na Pradaria ou Barco do Amor, em momentos que, à minha maneira, quase sempre sozinho, eram tão felizes, sem eu saber.

Adormecer nas memórias do meu berço é mágico! Hoje dormitei por lá um bocadinho e foi bom!

12-01-2023

Guimarães casario.jpg

25
Abr22

Viva o 25 de Abril, viva a Liberdade!

Brincávamos e ouviram-se tiros, disparos de pistola


pinura mural.jpg

Era noite, no Vale do Ave, era tarde, no verão quente de 1975!

Criança de terna idade, encontrava-me dentro do café Ringo, onde o senhor Nunes entrara assustado, com a cara rosada e olhos bugalhudos.

 

O meu pai fechara de imediato a porta, quando do lado de fora se ouviam palavrões, de vozes graves, enfurecidas. Alguns murros e pontapés na porta, também!

Nunes, percebi uns anos depois, era militante do PPD e encarregado de uma fábrica das redondezas e fora expulso das instalações por um grupo de operários que chamavam “fascista” ao senhor.

O meu pai, socialista convito e seu amigo, acolhera-o.

Eu, assustado, sob proteção paterna, não percebia o que estava a acontecer. Só recordo o medo atrás do balcão!

Algum tempo depois, quando já não havia ninguém fora do café, saímos os três.

A noite estava estrelada!

O carro do meu pai, um velho Austin, estacionado em frente ao café, tinha sido sabotado: pneus rasgados e alguns vidros partidos. Lembro-me que tremia e chorava!

Talvez me tivessem roubado o pecúlio das gorjetas, do meu mealheiro, um porquinho de barro, que deixara dentro do veículo.

O meu pai segurava-me a mão para me acalmar. O senhor Nunes foi para casa, nas redondezas, e nós tivemos de o fazer também a pé, uns quatro quilómetros até ao centro de Pevidém.

Tudo aquilo era muito estranho para mim. Havia tensão no ar e o meu pai nunca largava a minha mão na caminhada, pegando-me às vezes ao colo nos zonas mais escuras, atravessando a ponte sobre o rio Ave.

Era o coração do Vale do Ave, zona da indústria têxtil pesada daqueles tempos, com milhares de operários que viviam em pequenas casas de rés do chão, quase todas iguais. Algumas ainda hoje perduram, como marca de um certo passado!

Na estrada, com piso de paralelo em granito, gasto pelo tempo, quase sem luz, o meu pai ia conversando comigo para me serenar.

Atravessávamos alamedas ladeadas por bairros e austeros pavilhões fabris, até chegarmos, próximos de casa, a um ponto onde avistamos um grupo de homens junto a um muro, fazendo algo. Eram vários!

O meu pai, que me segurava ao colo, abrandou a marcha, temendo o pior, mas logo alguém o saudou com um: “boa noite camarada” -, ao que o meu pai correspondeu.

Acabámos parados uns minutos, junto aos homens.

Passado o medo inicial, porque os senhores eram pacíficos, apreciei as pinturas que faziam, com pincéis e trinchas, com tintas em grandes baldes, de tons amarelos e vermelhos, de rostos de homens, de faces pouco amigáveis, murros levantados, com foices e martelos, estrelas, e alguns dizeres. Eram imagens fortíssimas, incríveis, para o menino assustado, mas um privilegiado, sem saber.

Eu assistia a um momento quase épico, à realização de uma grande pintura mural que perdurou por décadas, um trabalho artístico notável que refletia o período político revolucionário da época, o verão quente de 1975…

Percebi, anos mais tarde, que se tratava de uma pintura do MRPP, com uma mensagem política exortando à revolução e ao proletariado.

Fomos depois para casa, em segurança, e acabei adormecendo, com o meu pai sentado na cama, segurando-me a mão, para me tranquilizar, com a sua voz de timbre grave, carinhoso!

Ainda hoje, de quando em vez, sonho com aquele momento da minha infância profunda, que me marcou de sobremaneira!

Pevidém, terra de operários, de gente humilde, fervilhava naquele tempo, com as convulsões e as fissuras entre os grandes patrões do têxtil e suas famílias e a revolta dos trabalhadores, após anos de exploração, alavancadas por interesses político-partidários exacerbados, pós 25 de abril.

Um dia, crianças, brincávamos no largo de Santo António, e ouviram-se tiros, aparentemente disparos de pistola. Foram vários.

Sem saber o que se passava, corremos todos para casa, onde a minha mãe, procurando acalmar-nos, ia dizendo que eram foguetes das festas. Eu não acreditava!

Ficamos retidos em casa, enquanto da janela, espreitando, eu percebia, acabado o tiroteio, haver um grupo de pessoas que colavam cartazes nas paredes das casas, em grande alvoroço e palavras de ordem! Era propaganda do PCP, partido que granjeava grande simpatia entre o operariado de Pevidém.

Ainda hoje, a junta de freguesia daquela localidade do concelho de Guimarães, onde nasci, é governada pela CDU.

Todos os anos, por altura das comemorações do 25 de Abril, lembro este e outros episódios daquele tempo, como quando o meu pai, armado, foi para Braga, para um comício do PS, que acabou mal, felizmente sem consequências físicas para ele.

As forças democráticas e os seus valores, como a liberdade de expressão, acabaram por prevalecer no 25 de novembro de 1975.

Por isso, sei bem, hoje posso escrever um texto como este!

Eu era ainda muito pequeno e começava, descobri mais tarde, a acordar para o ímpeto de entender e interpretar o que me rodeava, um gérmen, quiçá, do que me tornei como cidadão e como profissional!

Pelo meio, tantas, tantas memórias, tantas “estórias” para contar, até hoje!

Armindo Mendes, 25 de abril de 2022

 

Imagem retirada de: https://comjeitoearte.blogspot.com/2012/04/pinturas-murais-da-revolucao-de-abril.html

15
Mar22

PORTO: Estátua de Vimara Peres, o primeiro conde de Portucale, a partir de 868

Junto à Sé Catedral, do Século XII


Foi também o fundador de um pequeno burgo fortificado, designado ‘Vimaranis’, derivado do seu nome, atualmente a cidade de Guimãrães, que foi o principal centro governativo do Condado Portucalense. Foi em Guimarães que faleceu, em 873.Sé do Porto 3 copiar.jpgFOTO: Armindo Mendes (Direitos Reservados)

01
Nov21

Olhar que nunca parte


Guimarães Rua Dom Joao I.jpg

Neste cantinho do mundo estão as minhas raízes…

Neste cantinho da minha urbe, o berço do meu avô, do meu pai.

Foram tasqueiros duros, ali na rua D. João I foram felizes.

Ainda ouço o som das torneiras das pipas do tinto que nas malgas cai.

 

Olho aquelas portas, agora fechadas, recordo o balcão…

Onde estavam, de pratas coloridas, moedas de chocolate.

Que o meu avô me entrevava na mão

Que memória incrível daquele olhar que nunca parte.

 

E aquele cheiro a frito de farinheira, que bom!

Ou de fígado de cebolada em ambiente tasqueiro.

As fêveras quentes no prato, com arroz de feijão…

Sentado, com os manos, em bancos de pau de espaço inteiro.

 

Vejo o meu avô sentado no cadeirão, já combalido

A cozinha, das panelas gigantes, no fundo do corredor escuro.

Eu era menino de calção, quatro anos apenas, mas já crescido

E não sabia, era a última vez que o via vivo, visão que ora procuro.

 

 

Outrora, hoje, arrepio ali, sentado no padrão de D. João I

São tantas lembranças daquelas ruas, daqueles sons de menino.

Da cruz de pedra, dos sinos da colegiada no frio de janeiro…

Hoje é ânsia de querer agarrar o ido, tudo e nada, o destino!

 

Armindo Mendes

24
Jun13

24 de junho é o dia 1 de Portugal


No dia 24 de junho de 1128, rezam os manuais de história, foi travada a batalha de S. Mamede, nos arredores de Guimarães.

Ao bater a investida militar da Galiza e Castela, terá sido nesse dia que D. Afonso Henriques e as suas tropas do Condado Portucalense deram um passo determinante que culminaria na independência de Portugal.

Por isso, não percebo a razão pela qual este dia, por ser o dia 1 de Portugal, não é feriado nacional!!!

Pelo menos, em Guimarães, a data é lembrada com as honras que merece!

 

 

26
Mai13

Taça de Portugal: Obrigado Vitória de Guimarães, o clube da minha terra!


 

Que alegria imensa a conquista da Taça de Portugal pelo clube da cidade onde nasci e cresci. Um feito extraordinário, que era merecido há muitos anos. Quem conhece a  cidade e o clube bem sabem do que falo. A paixão da cidade pelo seu clube é incrível!

Sou um portista de Guimarães, por isso, desde que me conheço, tenho um coração dividido entre dois amores clubísticos: FC Porto e Vitória de Guimarães.

Os que me conhecem sabem que não festejo os golos do FCP marcados nas balizas do Vitória.

Hoje, como vimaranense orgulhoso da sua cidade, festejei exuberantemente os dois golos da conquista da Taça de Portugal. Uma alegria imensa, que me fez arrepiar.

Esta equipa é tão humilde como a cidade que a acolhe!

Muito obrigado Vitória, muito obrigado minha querida cidade de Guimarães, a mais linda do mundo!!!

Depois do tricampeonato do FCP, agora a conquista da Taça pelo meu Vitória. Uma época inesquecível, sem dúvida.

10
Mar13

Imagens da minha "cidade-berço", para continuar a acreditar em Portugal!


Guimarães é especal, é diferente de todas as demais cidades do país, porque mais nenhuma ostenta estes símbolos tão vincados da nacionalidade.

Observá-los, nos tempos em que pomos em causa tanta coisa no caminho que o país tomou, acaba por nos fazer acreditar que, apesar de tudo, vale a pena termos orgulho de sermos portugueses, vale a pena acreditarmos num futuro positivo para nós e para os nossso filhos! Eu faço por isso todos os dias, apesar dos inúmeros obstáculos conjunturais.

 

 

20
Jan13

Guimarães não para! Cidade Europeia do Desporto


No sábado à noite, a minha cidade-berço engalanou-se para acolher a cerimónia de abertura de mais um evento importante: Guimarães, Cidade Europeia do Desporto.

 

 

A cerimónia incluiu um espetáculo muito bonito, que contou com a participação de mais de 600 atletas amadores e profissionais, a maioria da região de Guimarães e arredores. Ao longo de cerca de hora e meia, praticantes de várias modalidades desportivas evoluíram no Pavilhão Multiusos, executando movimentos dos seus desportos e, em alguns casos, bonitas coreografias acompanhadas com fundo musical.

Estão reunidas todas as condições para que este evento alcance os seus objetivos, sobretudo no que tange à abrangência e prática desportiva e no que, também importa, tem a ver com a estratégia, tão bem gizada, de projeção de Guimarães no todo nacional e até internacional.

 

 

Guimarães, como ocorreu recentemente na Capital Europeia da Cultura, vai demonstrar, a quem ainda tem dúvidas, que é uma cidade especial, com um povo empreendedor e orgulhoso da sua identidade.

30
Dez12

Um orgulho enorme ser vimaranense


 

Há uns anos, foi uma honra enorme ver reconhecida a minha "cidade-berço" como Património Mundial da Humanidade, fazendo jus à joia arquitetónica do velho casco medieval, onde, há uns quantos anos crescia e brincava com os outros meninos. No ano que agora termina, foi um orgulho muito especial ver a minha querida Guimarães como Capital Europeia da Cultura, um mote justo e que ajudou a tornar a urbe ainda mais apetecível para que lá vive ou visita.

30
Dez12

Apenas alguns recantos especiais de Guimarães


 

O velho  burgo medieval de Guimarães reserva-nos sempre surpresas. No sábado, passeando pelo centro, alguém conhecedor do casco histórico apresentou-me este cantinho tão delicioso da cidade, que eu não conhecia.

Chama-se "Ilha do Sabão" e ali residiam antigos operários da zona de Couros, uma antiga indústria da cidade.

 

 

Em cada recanto da cidade Património Mundial, somos convidados a contemplar o casario magnificamente recuperado.

 

 

Os candeeiros antigos, em cada esquina da cidade velha, são sinais bem presentes do bom gosto dos nossos antepassados.

 

 

 

E por esta altura, as velhas ruas vestem-se de um colorido tão especial...

 

 

Incontornável, a passagem pela Praça da Oliveira, a mais bonita de Portugal, digo eu!

 

 

No Toural, praça de afetos, encontros e reencontros, de todos os vimaranenses...

17
Dez12

Um assomo de patriotismo, quem sabe...


Não é fácil explicar, mas defronte para a estátua do nosso primeiro soberano, em Guimarães, sinto sempre qualquer coisa especial, se calhar um assomo de patriotismo que, confesso, encaro como um bálsamo para o descrédito neste país que por vezes apoquenta o meu espírito. Gostei particularmente desta foto que tirei, entre muitas outras que registei quando por lá passei no sábado.

 

 

 

07
Abr12

Na Páscoa estreávamos sapatos de verniz


A cada Páscoa que passa, regressam aquelas recordações da infância nos idos setentas.

 

Por aqueles dias, Páscoa significava para mim e para grande parte das crianças a ida aos padrinhos e a estreia de uma roupa nova, com uns belos sapatos de verniz comprados na feira que nos magoavam os pés.

 

Era sempre assim naquele domingo pascal. Tomávamos um banho reforçado, vestíamos, orgulhosos, a roupa cheirando ainda a nova, enquanto a minha mãe, atarefada, nos enfileirava para uma penteadela do cabelo tipo “lambidinho”, à custa de sucessivas imersões do pente na água do lavatório.  

E, todos bonitos, entrávamos no carro do meu pai, um velho Sinca, para iniciarmos o périplo pelos padrinhos dos três filhotes da casa.

 

Quanto a mim, já sabia que iria receber a tradicional rosca.

 

Mas… ao contrário dos meus irmãos, eu recebia uma rosca de trigo, enquanto eles recebiam uma rosca de pão-de-ló, todo bem arranjado.

 

Confesso que me sentia discriminado, porque o pão-de-ló era mais moderno, mais chique. Mas os meus padrinhos, muito tradicionais, insistiam na oferta da rosca de trigo.

 

Era enorme e enfiava na minha cabeça a dita rosca, enquanto o meu padrinho ia à carteira buscar uma nota de 100 escudos, aquela que tinha a imagem do Camilo.

 

Já a caminho da casa dos padrinhos dos meus irmãos, eu imaginava o que iria fazer com aquele dinheiro todo… se calhar guardá-lo no porta-moedas que a minha mãe me oferecera.

 

Mas era a ida à casa do padrinho do meu irmão que eu gostava mais.

 

Ele vivia numa habitação pequena junto a um rio, afluente do Ave, que atravessava a minha aldeia. Para chegar à casa tínhamos de percorrer algumas centenas de metros num carreiro estreito e sinuoso, sempre a descer por estre arbustos e rochas de grande dimensão, enquanto o cantarolar da água do rio se aproximava, avisando-nos que estávamos a chegar.

 

Enquanto o meu irmão ia recebendo a bênção do padrinho e os presentes da quadra pascal, incluindo uma nota mais gorda do que a minha, eu ficava no terraço, à porta de casa, ouvindo e olhando o rio, sorrindo, feliz, sentindo um cheiro tão primaveril e fresco da vegetação que ainda hoje consigo imaginá-lo na minha memória.

 

Era assim todos os anos o ritual da Páscoa, o tal dia em que, na casa onde vivia, chegava sempre o compasso anunciado pela sineta ao longe.

 

Aqueles minutos finais de espera eram intensos, com toda a família reunida na sala, ajeitando as roupas novas.

 

Que emoção quando o padre entrava pela casa perfumada, que fora, mandava a tradição, minuciosamente limpa nos dias anteriores para receber o Senhor.

 

O padre acabava por beber um cálice de Porto e, com o seu séquito em cortejo, partia para a casa seguinte.

 

Depois, bom, despíamos a roupa nova e envergávamos o traje da brincadeira, porque, lá fora, a pequenada já chamava para mais uma partida de futebol de rua, na calceta do Largo de Santo António.

15
Jan12

Guimarães: Mais de 800 anos depois, de novo Capital


Mais de 800 anos depois, Guimarães, engalanada, volta, por estes meses, a ter o estatuto de capital, desta feita à escala europeia, no domínio da cultura.

 

Este é, no meu ponto de vista, um justíssimo prémio para uma cidade que tem apostado, de forma determinada, na promoção dos seus valores culturais, defendendo com coragem a sua natureza histórica, nomeadamente no plano aquitetónico - tão rico ele é - e as suas tradições populares muito minhotas.

 

Do alto da Penha, observar, demoradamente, esta urbe com o seu castelo altaneiro e o seu caso medieval, no seu pluralismo de estilos, até ao presente, é um orgulho para qualquer vimaranense.

 

 

  

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