Há momentos de sons que são mágicos, como os ventos da meseta espanhola, logo depois dos prados de lavanda de Tiedra… como cores de bandeira...
Naquelas lonjuras, as brisas casam-se com pedaços de vida de espigas douradas que, apontadas ao azul do céu, ondulam serenas, sob um sol terno de julho que nos bronzeia a pele arrepiada, de tanto gozo...
Caminhar nesses momentos, sobre terra com pedaços de rochas, é deixar-nos levar por sensações que os sentidos captam para delas gozarmos intensamente, no nosso espírito, num exercício delicioso, quase de sonho, de sermos uns privilegiados, por estarmos ali, ouvindo o sussurro do centeio, inspirando os ares das redondezas, a caminho do campo de girassóis… sim, tão belos que são...
Aquelas flores gigantes, capazes de nos porem a cabeça à roda, atrás do astro-rei, com tanta beleza, num jardim imenso para onde olhamos, em todas as direções, num gozo que se repete em cada relance de luz, a cada sombra subtil, a cada zumbido das abelhas que saltam atarefadas de flor em flor, num banquete para elas e um postal em alta-definição para nós…
Numa Vila Flor, degustando o prado trajado de Primavera
É mesmo assim, encontramos quase por acaso um momento de felicidade, olhando o campo, as montanhas de curvas suaves, sentados algures em Trás-os-Montes…
Numa Vila Flor, degustando o prado trajado de Primavera… com aragem tépida, de fim de tarde de domingo… de perfumes floridos, em planos cénicos longos, ondulantes, como nos filmes franceses, ouvindo os grilos atrás da ermida de um santo que não me lembro.
Que bom, ainda é grátis, sentirmos momentos assim, de um céu tão azul com pedaços de algodão e um verde que se alonga no fértil planalto da Vilariça, às portas do Tua, terras de olivais e amendoais, onde voam as andorinhas, sobre a vila, para nosso encanto!
Flores silvestres que brotam com o milagre renovado da Primavera
Registos fotográficos com um simples telemóvel, o que tínhamos à mão numa caminhada matinal na aldeia, aproveitando o céu azul e o sol de primavera, respirando o ar puro da ruralidade!
As papoilas são flores maravilhosas e estão entre as minhas preferidas…
Por altura de abril, sorte a nossa, todos os anos é este manjar para os sentidos, aí estão as damas vermelhinhas, com todo o seu esplendor, pintando a paisagem!
Tão belas, tão singelas, tão dóceis, ondulando ao vento, por esses prados de Miranda do Douro, onde caminhamos leves e onde, não longe da Fraga do Puio, à beira Douro, nos sentamos, na companhia delas e das margaridas, também!
Apetece tocar as suas pétalas frágeis, mas não o fazemos, respeitamos a sua delicadeza, apenas olhamos, maravilhados, para a sua textura aveludada e para a sua cor profunda, um tom quente que contrasta com o verde silvestre em redor, numa mescla de pigmentações alegres que só a Primavera nos consegue presentear.
Campos fora, na meseta, são pigmentações, texturas, mas, sobretudo, a fragrância a lavanda, como feitiço de Mulher…
São prados floridos tão imensos que nos enfeitiçam ao pôr do sol, onde caminhamos vestidos de branco, para não perturbarmos a atmosfera cinemática…
Onde, pequeninos, soçobramos com tanta beleza junta… que as palavras são frugais para dela falarem…
Deixando os cabelos delas serem ainda mais belos, ao vento, até dançando, rodando os vestidos bordados… delas, das Mulheres, nossas deusas, e das florzinhas que, como as ninfas, adocicam o olfato, por esses momentos, o soberano e o mais privilegiado dos sentidos da vida!
Dedos começaram, trémulos, a rabiscar rascunho de palavras que se vão acomodando para formarem estrofes de sentimentos e devaneios cruzados, como bafejo de primavera, ora sol, ora chuva, por entre nuvens matizadas, de cinzentos em degradê.
Nesta folha branca, do acaso, deixo-me flutuar, com braços que me enlaçam o peito, para sentir o meu palpitar, de olhos semifechados, à meia-luz, que quase me oculta o rosto.
Não são poemas, porque o sol mal espreita e faz frio!
São prosas, afinal, estes dias sem pedigree, jornadas de espera, paciência ansiosa, no desejo que o ímpeto tempere de novo a saga de ser, que percorre cada artéria da vontade de um simples mortal.
As folhas da palmeira vão-se agitando se graça do lado de fora da janela, com a vidraça de gotas de chuva, como diamantes desfocados, e luz de inverno, como espelho do momento, um intervalo, como aguaceiro feroz, rua abaixo, na aldeia, que vai passar, para logo a tarde se trajar de amarelo torrado.
Nesta alameda da vida, desconfiado, aperto o casaco, cubro a cabeça com capuz, para me proteger de não sei o quê, como fazemos quando sonhamos a preto e branco, olhando em redor, procurando o sentido real das coisas e, em sobressalto, acordamos cansados, exaustos da correria, mas aliviados por ter acabado a sofreguidão.
Tato, poder alma de outrem afagar; Tato, dedilhar-lhe o coração; Tato, olhos sem brilho enxugar; Tato, abraço de pai em rebento filho; Tato, percorrer pele sem destino, volúpia; Tato, cama sôfrega ou dar a mão!
Olfato, prados de aroma em Sol maior; Olfato, fragrâncias do corpo doce de amoras; Olfato, entender cada flor carmesim, Afrodite até ser dia; Olfato, abrir cacifos de música em cristal; Olfato, desnudar de papoila, em pátio de Córdova, peito cheio...
Paladar, como vida, ora doce, ora sem graça; Paladar, sabor a framboesa coberta de agridoce; Paladar, manjar de castanha, espírito Luso, o fado; Paladar, gelado de manga, em dança de bombons! Paladar, amêndoas recobertas de mel, após frutos do mar!
Audição, aquele flautim de palpitações da vida; Audição, queixumes, contrabaixo sem voz, só dor; Audição, em León, delírio de Kitaro que serena; Audição, sinos de Mafra que atiçam seres sem flama; Audição, liras de assombros ou violinos de amor!
Visão, Cosmos na penumbra da sorte; Visão, ver rimas de afetos na autora; Visão, esperança nas brumas das Atlântidas, cabelos à maresia no canal; Visão, nos feitiços da Lua os fragmentos d`alma;
Visão, palatos, partituras, odores de centeio, sermos maiores!