Tanta tranquilidade que até “dói” … neste silêncio...
Em Porto de Rei, terra de cerejais, degustada a deliciosa fatia de uma cavaca de Resende, vemos o cruzeiro fluvial passar, descendo o Douro… entre dois distritos, a norte o Porto (Baião), a sul Viseu (Resende)...
Sentados ao sol, no ancoradouro, com as águas do grande rio aos pés, quase nos apetecer ir atrás da correntia e caminharmos nas águas, ao lado do barco, pachorrento, saudando os turistas de olhos em bico encantados com tanta beleza da paisagem… em todos os idiomas a bordo ou com um universal sorriso de orelha a orelha próprio destas gentes do norte de Portugal…
Coisas simples, assim, se fazem, nem que seja imaginando, entre margens deste Douro Verde, por terras do românico!
Brindemos, pois, com o avesso de Baião, na outra margem!
Onde o Douro maior ondula entre maciços de papoilas
Com tudo o que encerra, a Primavera, que bem-vinda sejas, proporcionas momentos assim, adocicados com lindas papoilas ao vento de abril, uma singeleza que não queremos incomodar, mas que nos convida a sentar-nos no prado, entre flores silvestres e muito verde…
Uma paisagem maravilhosa, onde o Douro maior, o mais musical dos rios, ondula entre os maciços rochosos transfronteiriços… há milhões de anos, quando não havia países, onde um dia já houve mar!
Que quadro tão belo que a Natureza nos oferece, mais um em que nos sentimos gratos por estarmos ali, dela desfrutando ao miradouro, num silêncio profundo, que queremos ouvir com alma, só acordados pelas águias reais ou pelos grifos que patrulham os céus de Miranda, em belos bailados!
Uma Criação em maiúsculas que sorri, enquanto os nossos sentidos, em orquestra, se esforçam para absorverem cada aragem que nos cobre o rosto, cada cheiro, cada um dos milhões de pigmentos de cor que formam esta bela sinfonia, em forma de papoila!
Contemplá-las, ali - as cores - ao sol de novembro que queremos abraçar!
Estas pigmentações de outono, com as suas matizes, nuances e degradés, seduzem as almas dos sonhadores de quimeras, por caminhos entre socalcos, do leito do Douro até ao cume.
Como no Caminho de Jacinto, de Eça, à passagem, sem pressa, quedamo-nos ali, com semelhante beleza, numa simbiose acabada, multicolor, entre o engenho humano de tempos idos, numa casa rural, e a ode da natureza, trajada com tantas cores cálidas, dos castanhos, aos amarelos e ao carmesim, que nos acaloram o peito só de contemplá-las, ali, ao sol de novembro matinal que queremos abraçar!
Descrever não é pintar. Aos poetas faltam os pincéis, faltam as telas, os cheiros das aguarelas, os cavaletes, mas sobram as letras de escriva, a alma que brota pela pena, em estrofes de emoção, pontuadas com a exclamação e as rimas maiores da vida, sempre!
O rio Douro é uma torrente de emoções quando o olhamos com vistas de ver, do cimo da serra, entre nuvens graciosas que o saúdam, como dedos que tateiam num veludo azul-celeste, com bordos de ouro.
O que vemos então? Vemos tanta água que brilha aos fios de sol, perpassando montes e vales, num leito curvilíneo, majestoso, como o rabelo, que segue até "Portus Cale".
Sob pontes do comboio, deixando para trás tantos socalcos de beleza, de miradouros com pedra de xisto, de cerejais sem fim, de ermidas e mosteiros românicos, de romances de Eça, de devaneios de Torga, ou dos néctares de Baco, sob a forma de cálices de Porto.
Uma imagem do Douro, tão belo, que aqui, em Caldas de Aregos, em dia ensolarado, como o de domingo, acolhia embarcações de recreio. Na outra margem, ao fundo, a Linha do Douro, as encostas de Baião, concelho verde, tão rico em paisagens e tradições. É terra de Santa Cruz, terras de Tormes, que um dia foram de Eça de Queiroz, que ali escreveu "A cidade e as Serras".
Era esta pequena estação que o romancista descrevia no seu livro, nas idas e chegadas!
O imponente rio Douro, aqui no território vestido de tons esverdeados que pintam as encostas das terras de Resende, Baião e Cinfães, as mesmas que Eça tão bem descrevia!
Por isso há quem chame a este território do “Douro Verde”, numa alusão à vegetação viçosa, mas também ao Vinho Verde que estas encostas ajudam a tornar tão adamado.
Foi no fim de tarde de domingo, quando o sol se punha por detrás de montanhas, que registei o momento.
Há dias, passando por Resende, não resisti a provar a rainha dos frutos - a cereja - que abundava nas inúmeras árvores daquelas paragens ribeirinhas do Douro.
Por momentos, a convite do respetivo proprietário, visitei demoradamente um dos maiores pomares de cereja de Resende.
Foi um momento que me surpreendeu, porque nunca tinha estado rodeado de cerejeiras carregadas de fruto, em tão grande número. Diria até que os meus olhos quase se perdiam, observando os frutos de vermelhos viçosos e suculentos, de calibre abastado, que pendiam dos ramos vergados ao peso de tanta luxúria.
Obviamente que, à medida que avistava e, de quando em vez, "apalpava" alguns dos frutos, me ia crescendo água na boca.
O desejo foi prontamente satisfeito por uma mão cheia de cerejas deliciosas que degustei com imenso prazer, enquanto observava a imponência do Douro que passava ali perto.
Fica a promessa de para o ano voltar e revisitar o paraíso da rainha dos frutos.