Papoila no cabelo, como um só!
Mão folheia livros do sim e do não…
Hieróglifos de odisseias, de moldes de bustos.
Pinceladas de Gioconda, James Last de acordeão…
Calo de enxada, punho de brutos!!!
Mamilo de mãe para saciar…
Afago em rosto enrugado da avó.
Mão de pai grisalho de tanto amar
Papoila no cabelo, como um só!
Mão na dor, no aceno, nas eternas partidas?
- Dedo em riste, palmas: humanos como são.
E véu para as lágrimas, refúgio das feridas?
- Cicatrizes, mão cerrada, sob o pontão.
Armindo Mendes, 18 mar 2022
Fugas são corações que se deixam para trás para continuar em frente?
Fugas são ir em frente e olhar corações para trás, em sobressalto
Fugas são ir em frente e ficar perdido entre a corrente
Fugas são querer parar, andando em terreno alto.
Fugas é abrir o livro das histórias já versadas
Fugas é ouvir as músicas nos vinis do tempo
Fugas é ir ao armário e ver o pretérito em almofadas
Fugas é aguarela em pastel sobre tela em desalento.
Fugas a subir as escadas e sentir o coração ficar
Fugas é teclar, teclar e a escrita em pó sangrar
Fugas é olhar a lua e sentir sem respirar
Fugas é olhar o mar de Moisés e ver o milagre fechar.
Fugas é caminhar no bosque e ouvir o riacho calado
Fugas é cheirar as plantas desprovidas de odor
Fugas é inverno de moinho só, de portas cerradas
Fugas é ousar ser o que se é, um sonhador.
Fugas são caminhos estreitos
Fugas são labirintos sem fim
Fugas são dores nos peitos
Fugas são corações assim.
Fugas são memórias
Fugas são palpitações
Fugas são histórias
Fugas são turbilhões.
Fugas são rodopios
Fugas são olhos baixos
Fugas são arrepios
Fugas são fogachos.
Fugas são olhar atrás
Fugas são cara salgada
Fugas são aquém da paz
Fugas são a triste estrada.
Fugas são cair e cair
Fugas são recolhimento
Fugas são ter de partir
Fugas são duro sofrimento.
Armindo Mendes
Outono é de amarelos maduros, castanhos-bronze e flores vermelhas tardias;
Outono é sala de espera para o general inverno forrada a fetos envelhecidos;
Outono é partida de migrantes que voam para o sul em grandes correrias;
Outono é tempo de nos recolhermos e nos abrigarmos, por causa do frio, nunca perdidos.
Outono é o final de tarde com sol ouro, no sal do mar, que esvai entre as traineiras:
Outono é no horizonte de além-mar um quarto minguante para as manhas da lua;
Outono é ver a natureza desnudar-se do verão e agasalhar-se nas lareiras;
Outono trava o equídeo sem deixar D. Quixote imaginar Dulcineia no fundo da rua.
Outono é Sancho recolher-se na taberna para a pança encher após venturas sem fim;
Outono é o fiel escudeiro beber vinho novo na taberna e saciar-se com castanhas;
Outono é ver D. Quixote tristonho por o frio vindouro arrefecer delírios de marfim;
Outono é ver os moinhos de vento, como soldados hirtos de lanças imaginados, de meias carpim.
Outono é resfriar arianos exércitos de batalhas lá na Rússia para foices e martelos os derrubar;
Outono é soldados de suástica nas taigas que padecem às agruras das neves árticas;
Outono é ver combates em Leningrado, com brancas vestes de carne para canhão lamentar;
Outono é cada anónimo, cabo ou capitão, com famílias para trás, que sucumbe sem cartas mandar, das américas ou das áfricas.
Outono é ter heróis dos desertos ou das terras do sol nascente que retornam ao lar;
Outono é gritar vivas nas terras do tio Sam, bandeiras ao vento, é ver pais de rostos molhados e filhos com as vidas em pedaços;
Outono é os governos que escrevem cartas às viúvas e às mães desafortunadas que querem apenas os filhos chorar;
Outono é ver o capacete baleado sobre o cano da espingarda, num lar de pesadelos de sobrevivos nas mães em regaços.
outono de 2019