Armindo Mendes
Quase noite neste bosque agridoce …
Troncos de árvores são formas escuras.
A lua já se ergueu, no seu despertar precoce…
O sol levou do dia curto, as agruras.
Carvalhos assustadores, nada sublimes…
Formas fantasmagóricas nas folhagens.
Aves noturnas com sonidos, como nos filmes…
De dia tão belo, agora sem fulgência, as imagen s!
Meus passos repisam outono, nas folhas
Aperto o casaco, faz aqui frio!
Olhos escuros, nesta escuridão de escolhas …
Quando das copas cai forma de arrepio.
Avança-se no trilho sombrio!
Ouve-se a levada, conheço-a, ela vai.
O moinho também, além, que a noite já cobriu …
Olhar à volta, medo, a coragem que se esvai.
O manto de penumbra cobriu o meu cabelo.
Mãos nos bolsos, busco o foco salvador…
Vais ajudar-me no caminh o, quero vê-lo…
A luz corta a noite, mas não certo ardor.
No estradão, ao pé da aldeia, volta a luz fria.
De costas ao bosque, é sem glória esta claridade !
Olho o resto de sol que se perde na serra que cobria…
Regresso ao mundo seguro, quase verdade!
publicado às 19:36
Armindo Mendes
O moinho está sempre ali, no bosque vendo as águas que passam.
Por entre as mós que rodam há tempos imemoriais, escuta as queixas
Esmaga o trigo, sim, e ouve as torrentes de angústias que no peito de outrem falam
E ele é paciente, sabe que deve ouvir os corações que batem nas deixas…
Dos queixumes de um confidente do que vai passando sob si
Nas entranhas que escondem a água, à sombra de roda, o escuro convida a testemunhos
E os que seguem sussurram sobre mim, sobre os outros e sobre ti
Das vidas cruzadas, dos desencontros, da vida sonhada feita em gatafunhos
O moinho ouvidor por agora veste-se de plantas húmidas que lhe cobrem a pele
São como carapaças com gotículas de sapiência que o fazem mais forte
E assim acredita ser audaz bastante para acomodar quem os outros repele
Esses revelam tudo e esperam um aconchego, que o futuro lhes traga sorte
É assim há tanto tempo que até o tempo do trigo já não tem sustento
As heras sobre as paredes do velho casebre são como os livros das mercearias
Registam o passado em cada folha e nele esperam o futuro a contento
Nas almas de remedeio que chegaram são a negação do que para ser feliz farias
Armindo Mendes
publicado às 19:33
Armindo Mendes
Na levada do meu bosque, na minha pequena aldeia, aquele sítio mágico onde nos quedamos, de quando em vez, sentados na pedra coberta de musgo, como neste dia de quase outono, de sol apressado, entre a folhagem bronzeada.
Para, sem pressas, fecharmos os olhos e vermos sem olhar o passado, sentirmos o presente e, iris fitadas nas águas que correm para o rio, que vamos penteando com os dedos, instarmos o futuro e revelar-nos se amanhã vai ser como hoje ou se ontem, na alquimia do tempo, já foi e vai passar logo, no ocaso deste dia, ou de outro qualquer do calendário dos desassossegos que as flores de outono ressoam.
publicado às 16:21