Riacho que desconfia do fim
Em breve limbo de açucenas
Armindo Mendes
Ao espelho fosco sou letargia
Olhos escuros, húmidos, parados
Brechas despidas de fantasia
Pensares por ora estagnados
Expressão frívola, sem luz, sim
No cantinho do costume
Riacho que desconfia do fim
À corrente do queixume
Que treme, acerca-se a cachoeira
É pequena, mas receia cair
Esconde-se na trincheira
Leito onde nada, imóvel, para fugir
Espelho: “Que pessoa és?
Braços tombados, olhar vazio?
Agarrado ao cabo com os pés?
Retorcido, sem ganas de porfio?
… Vai, deixa-te ir na corrente…
É calma, sem Adamastor, vais ver.
Dobrarás talvez pungente
Mas, se ousares, boiarás para viver.
Senta-te na folha de outono, navega!
Segue nas águas de vagas serenas
Inspira, vê a natureza sôfrega
Verás em breve limbo de açucenas
Olharás o céu desnudar-se, inspira
Invernos idos de lareira arrefecem
Mas abril da utopia desabrochará
julhos dos calores, sim, florescem!
Armindo Mendes, 17 março de 2022