Peito aberto, à espera de tudo
belezas tantas que letras não conseguem alcançar.
Foto: Armindo Mendes
Ah, meu Deus! Que delícia, quero muito parar o tempo, como numa aguarela do iluminismo, com cheiro a regalo e tudo!
Não posso, mas esforço-me, sem dor alguma, mas sôfrego, por agarrá-lo!
Tonto, meto a cabeça entre os ramos para me perder em volúpia de aromas.
Os sentidos, arrepiados, desfrutam, qual pintor na tela.
Na colina à beira da estrada, sem carros, debaixo da amendoeira, prima de tantas outras, de joelhos, ergo mil vezes os olhos e a alma para um céu tão mágico, prenúncio estival, azul como o brilho do firmamento, paleta de cores em aguarela.
Que contraste maravilhoso com a candura das flores brancas, singelas, que dançam à brisa, numa valsa de violinos sem pressa, que só nos apetece tocar, com delicadeza e, como as cordas do instrumento, afagá-las, com jeitinho, para não magoar tão imensa dádiva da mãe-natureza. Tê-las, por instantes, na palma das mãos, contraste com a pele morena, é fazermos parte daquele mundo, em devaneio até ao ocaso, uma sinfonia em silêncios.
O nosso olhar cintila, banqueteia-se, embriaga-se com tanta beleza. Deriva entre as florzinhas de pétalas de neve, açucaradas com pontos de amarelo-torrado, rosa ou tons de mel, como que a abrir alas para as obreiras da Primavera, com zumbidos atarefados que do pólen que extraem acentuam a fragância florida, perfume a mel de Olimpo, sobre o vale da Vilariça ou paredes-meias com as gravuras do Coa, que os olhos pasmam, ao lado do caminhar pachorrento do Sabor, rios milenares de mineiros, fios de azeite de oliva e das castanhas para magustos de contentamento.
É incrivelmente retemperador correr como caracol, entre amendoeiras em flor, subir à rocha para mais uma fotografia, neste clímax sazonal da natureza humanizada, em calçadas medievais ladeadas com muros de xisto dourado, que acentuam as bermas pintadas pelas árvores, em alamedas, com vestes brancas sem fim, carregadas de fruto que saboreamos às vezes, sem culpa.
A passarada, sem saber, canta para os nossos ouvidos deleitados, nos seus rituais de acasalamento. Que belo concerto, de tantos timbres, com o Douro azul, escarpado, lá ao fundo, no horizonte, a breve brisa de inverno, às portas de muralhas e castelos, com ruínas de aldeias ancestrais aos pés.
E, de peito aberto, à espera de tudo, mergulhar nos bosques de amendoeiras, com um pequeno cachorro das redondezas encantado com a visita, qual guia improvisado entre dois povoados romanos de ruínas quase recobertas por ervas do desleixo humano.
O fim de tarde chegou com a pressa dos dias pequenos, com ele o segundo ato do espetáculo, o pôr do sol, cor de citrino, atrás das encumeadas, nas nuvens tímidas, que as amendoeiras acolhem para ficarem ainda mais sublimes, de tons dourados, efémeros é certo, mas tão belos que as óticas dos homens ousam querer registar, sem sucesso!
A noite caiu, à espera de nova aurora neste espetáculo que a natureza e a sabedoria milenar dos Homens bons de Trás-os-Montes proporcionam aos forasteiros, como nós, que nos vergamos perante um quadro de belezas tantas que as letras não conseguem alcançar.
Só a alma, como o luar de Torre de Moncorvo e os nossos antepassados do Coa souberam sentir e guardar no coração, numa pétala de flor de amendoeira ou num esboço paleolítico, no xisto, para todo sempre!