Muros de dourado xisto!
Que delícia, querer muito deter o tempo, profundo…
Aguarela do iluminismo, com cheiro e tudo!
Pintar este cantinho do mundo…
Sei não poder, mas esforço-me, sem dor alguma, contudo!
Sôfrego, por agarrá-lo!
Tonto, meto a cabeça entre os ramos…
Para me perder em volúpia de regalos!
Os sentidos, arrepiados, desfrutam, sonhamos…
Qual pintor na tela que pincela com fervor!
Na colina à beira da estrada, debaixo da amendoeira…
De joelhos, ergo olhos e alma para céu mágico, em fervor.
Prenúncio, Primavera, azul de firmamento, como na vez primeira.
Paleta de cores em aguarela.
Que contraste com a candura das flores brancas, singelas.
Que dançam à brisa, valsa de violinos, como à janela.
Apetece tocar, com delicadeza, na cara rosada delas!
Como as cordas do instrumento, afagá-las, com jeitinho…
Para não magoar imensa dádiva da mãe-natureza.
Tê-las na palma das mãos, com tanto carinho!
Fazermos parte daquele mundo, em devaneio até ao ocaso,
Sinfonia em murmúrios ressoa no horizonte breve!
Olhar cintila, banqueteia-se, embriaga-se neste compasso!
Como flauta andina em deriva nas florzinhas de pétalas de neve.
Açucaradas, elas, pontos de amarelo-torrado, rosa ou tons de mel.
Abrir alas para as obreiras, como liras, com zumbidos atarefados.
Do pólen extraem, acentuam a fragância, perfume floral
Sim, mel de Olimpo, para adocicar os anjos feitos fados.
Sobre o vale da Vilariça ou paredes-meias com o Coa das gravuras.
Que olhos pasmam, ao lado do pachorrento do Sabor.
Rios milenares de mineiros, fios de azeite, néctares de Baco, formusuras.
E das castanhas para magustos de outono, tanto calor!
É incrivelmente retemperador correr aqui como caracol,
Entre amendoeiras em flor, subir à rocha para a fotografia,
Neste clímax sazonal da natureza humanizada, sob tanto sol.
Calçadas medievais com muros de dourado xisto que havia…
Que acentuam bermas pintadas pelas árvores, em alamedas,
Com vestes brancas sem fim, carregadas de frutos secos, cobiçados…
Que saboreamos, às vezes, sem culpa, na Torre do Relógio, em Meda…
Passarada, sem saber, canta para ouvidos deleitados…
Rituais de acasalamento, que belo concerto, de tantos sopros…
Com o Douro azul, qual Danúbio, escarpado, ao fundo, no horizonte.
Breve brisa de inverno, às portas de castelos, ruínas de aldeias sem corpos,
Peito aberto, à espera de tudo, mergulhar nos bosques de cada monte.
O fim de tarde chegou, com a pressa dos dias petizes.
Segundo movimento da sinfonia: o pôr do sol, cor de citrino…
Atrás das encumeadas, nuvens imitam amendoeiras felizes.
Para ficarem mais sublimes, de tons dourados, um hino.
Efémeros é certo, mas belos que as óticas dos homens ousam registar, sem sucesso!
A noite caiu, à espera de nova aurora neste cénico mundo!
Natureza e sabedoria milenar dos Homens bons de Trás-os-Montes que nem conheço!
Forasteiros, perante quadro de belezas, somos gratos, em gesto fundo!
Tanto que estas letras parvas não conseguem alcançar.
Só a alma, como o luar de Torre de Moncorvo e os nossos antepassados do Coa…
Souberam sentir e guardar no coração, numa pétala de flor de amendoeira ao ar
Ou num esboço paleolítico, no xisto, traçado, sem voz, ecoa!
26 fev 2022