Os incêndios são a desertificação humana que varre o país
O país que arde todos os dias, queimando-nos a alma, é o resultado de políticas avulsas, mas crónicas, das últimas décadas, de uma gestão egocêntrica, assente em critérios economicistas errados, que redundam na desertificação humana incomensurável do interior, ao mesmo tempo que acentuam a sobrepopulação das cidades do litoral.
O rei vai nu com certeza. As chamas que vemos todos os dias são o sangue ardente que verte das artérias de um país doente, que sofre em resultado de políticas tecnocratas, preconceituosas e provincianas dos que, encasulados no antro do poder, do alto de um pedestal que só alcança Vila Franca, olham para o interior como as “terrinhas”, para onde, dos autotanques e aeronaves, lançam água para suster um interior depressivo que chega cada vez mais ao litoral.
Num país desigual, com um interior sem pessoas, com matas e campos agrícolas votados ao abandono, resultado de ausência de políticas para promover o desenvolvimento rural sustentado, de pouco ou nada vale o país gastar todos os anos milhões de euros nos dispositivos de combate aos incêndios. É um combate inglório, que interessa apenas a determinados grupos económicos que ganham muito dinheiro com o flagelo dos incêndios.
Nos últimos meses, em atividades de lazer e de trabalho, percorri vários concelhos de Trás-os-Montes e Alentejo.
Dói a alma constatar, apesar de tudo, sem surpresa, que as terras vão perdendo as poucas pessoas que ainda restam. Aldeias vazias, quase fantasmagóricas, cidades, outrora florescentes, agora quase moribundas, sangrando a cada dia, até à agonia final, quiçá.
Com a crise dos últimos anos, ao fluxo migratório para o litoral das décadas de centralismo bacoco de quem governa partir dos finos gabinetes, juntou-se entretanto a debandada para destinos além-fronteiras.
São centenas todos os meses que partem, tristes, curvados ante o cenário que fez mergulhar milhares de portugueses num mar de falta de infortúnios.
Como uma mãe que não consegue gerar leite para alimentar os filhos, temos hoje um país paupérrimo, com um tecido económico fragilizado, que não alimenta gerações inteiras, as tais que, sem esperança no país que as viu nascer há 20, 30 ou 40 anos, emigram, fugindo de uma espiral depressiva, do incêndio que varre o país.