Ruínas de um velho moinho, que são pedras sobre pedras, cada uma, quiçá, das almas de quando o tempo era mais vagaroso e as gentes do Minho, antes da CEE, comiam broa de milho com côdea generosa, acompanhando uma cebolada e verde tinto, ao som da concertina, tambores e reco-reco.
Quando regressam os cinzentos com as nuvens que caem do penhasco, para humedecerem olhos que se veem no espelho do lago, à cata do sentido das coisas, no carrossel da sorte, onde, qual sina, se é ator longe das luzes do palco…
Atravessar o passadiço para virar costas a tantas coisas que nos consomem é a vontade que se sente, ante o cansaço por tantas circunstâncias, de seres menores, que parecem só existir, por trás do penedo, para tornar mais íngreme a caminhada dos que ousam subir a colina, de costas direitas!
Tem 11 metros de altura a imagem de bronze do “Anjo de Portugal”, que encima o conjunto escultório com 20 metros de altura, evocando o nome das 59 vítimas mortais da tragédia de Entre-os-Rios, ocorrida no dia 4 de março de 2001.
Pode ser visto na margem esquerda do rio Douro, em Sardoura, Castelo de Paiva, no local onde ocorreu a derrocada do tabuleiro da Ponte Hintze Ribeiro, que liga ao concelho de Penafiel.
É uma imagem que me impressiona sempre que lá passo, não deixando de recordar, com enorme pesar, aquela data que me marcou profundamente como jornalista e como pessoa, porque também lá estive poucas horas após a tragédia, acompanhando as operações de resgate, escrevendo dezenas de peças sobre o tema nos dias e semanas seguintes.
No interior do monumento, onde o silêncio homenageia quem partiu, podem ser vistas as fotografias e os nomes das 59 vítimas, além das flores em sua homenagem!
As igrejas são, acima de tudo, locais de culto dos cristãos, mas também, em parte dos casos, monumentos que retratam a maestria dos crentes no louvor ao divino através das artes, ao longo das diferentes épocas do cristianismo.
A escultura, a pintura, a arquitetura, a engenharia e outras capacidades humanas unem-se para erguer monumentos extraordinários, as igrejas, que são o espelho das épocas, das suas modas, nas suas tendências culturais, sociológicas e até económicas, nos seus diferentes estilos e traços.
A igreja de Santa Marinha de Cortegaça, no concelho de Ovar, é um desses exemplos.
Na linha do tempo, é relativamente recente na construção.
Imponente no seu tamanho, é singela no seu traço e bela na sua abundante decoração em azulejo da década de vinte do século passado, o que lhe confere um traço distintivo, em termos nacionais!
O azulejo é, com certeza, uma marca da nossa portugalidade, neste caso com representações, de grande valor artísitico, que falam das crenças religiosas dos seus mentores.
Vê-la, na sua fachada, é um exercício de admiração trajado de azul e branco, cores que transmitem serenidade a quem a visita.
Olhar o espelho de água do Lima, majestoso, é sempre tonificante, a cada regresso à bela Viana, a princesa do Lima!
Que encantamento de cidade, com os seus cordões de ouro no pescoço das moças na procissão da Agonia, com os seus jardins românticos, com o seu casario antigo, do tempo de mercadores, que parte, beira-rio, caiado de branco, em direção à encosta abençoada por Santa Luzia, sítio mágico de onde a nossa vista alcança tanta terra, tanto mar, tanto areal atlântico, num cenário para fotógrafos à la minuta perpetuarem no papel, a preto e branco.
Esta alma está em cada coração de Viana, essa joalharia sem igual, símbolo de Portugal, ou numa urbe com dotes de poetisa nas quadras que admiramos nos singelos lenços de namorados…onde os erros ortográficos soam a sonetos…ou nos trajes do seu folclore minhoto, o mais alegre deste quinhão de terra espelhado neste estuário de água imensa…
Descer as entranhas do Alvão, nas curvas e contracurvas da estrada, rumo a Mondim, é uma experiência sempre nova, a cada retorno àquele paraíso, nas cercanias da nossa “civilização”…
E depois, parando na berma da estrada, caminhando no trilho acidentado, colina acima, olhando as montanhas, tão imponentes quanto arredondadas, num fim de tarde quase solarengo que aguarda a primavera.
Percebe-se que elas, as montanhas, se alongam, preguiçosas, até outras serranias, como o Marão e a Meia-Via, mas orgulhosas pelos fios de água do Olo, cristalino, que descem, como véu de noiva, em socalcos rochosos, nas Fisgas de Ermelo, até uma poça fresca, com cheiro a resina, coaxar das rãs, milhafres que voam em círculos, num cenário extraordinário da natureza selvagem… que contemplamos, mudos na admiração, imóveis no tempo, sentindo a aragem!
Aqueles bosques abrigados enchem-nos de gentileza, pelas longas vistas de verde nas encumeadas ricas de sombras, e pelas pinhas que vão caindo ao lençol de caruma que cobre os chãos, ao lado da cabana florestal…abrigo de montanha, de tempos idos.
Nas aldeias encravadas na serra, quase sem gente, de telhados toscos, partem os últimos rebanhos que desafiam o futuro, teimando, até que a vontade canse o pastor…
O fado dita estas coisas que tentam deter as almas
No alto da serra, da Estrela talvez, vê-se mais longe, sente-se mais alto, cheira-se mais intensamente, ouve-se mais grave, apesar da neblina, sobre a rocha glaciar outrora, hoje miradouro dos sonhadores ou precipício dos prostrados.
Que experiência esta, olhar em redor, em câmara lenta, como nos filmes, com ar rarefeito, mas de peito cheio para a vida, desafiando os queixumes da serrania.
Ventando forte na Torre, porque o fado dita estas coisas que tentam deter as almas.
Mas são essas, hirtas, que vencem, porque acreditar é ímpeto maior nestes carreiros que sobem a montanha da vida, rumo à canção de sermos nós, sempre, uma balada!
Há recantos assim, de pigmentações mágicas, riscos que ondulam ao vento, com acentos lusitanos, que se deixam notar, com tanta subtileza, com sabores a cereal, que nos fazem, como plumas, elevar aos céus…
E planar, vales fora, com vistas para as cordilheiras da raia, rios curvilíneos, lugarejos com sinetas a rebate e muralhas rudes, num exercício de alquimia, como cavaleiros medievais, desfraldando as bandeiras da reconquista afonsina, além Tejo… em batalhas de credos em tempos idos, dos nossos maiores…
Céu com traços em tons de ouro, pinceladas de bronze e relevos de cobre
Que sonho este em que ocorre colorir o céu com traços em tons de ouro, pinceladas de bronze, relevos de cobre, sobre o escuro das rochas costeiras e o cintilar alaranjado das águas quase quietas, onde paira o barco rumo a norte, com tantas histórias a marinar…
Devaneio meu que se tornou tela de luz com tons cálidos, espelho de domingo de janeiro, frio, mas com aquele sabor a Matosinhos, revisitado, a cada regresso!
Do areal, olhando para o astro que se oculta do lado de lá do mundo, apressado, no fio de mar, atiçando o despertar…
Aperto o agasalho, quase noite, mesmo!
É hora de um café quente, com torrada, na confeitaria da esquina, à meia-luz!
Ofegante pela subida, no cimo do penhasco voltado ao mar, olhos postos no farol, aquele objeto mágico que fascina, que se destaca nesta vista quase lunar, de tons de argila, rochas descomunais e texturas movediças.
Nesta atlântida, o ar que se respira é uma delícia, em cada travo, uma mescla marinha, fresca, com pedaços de solo vulcânico, morno, não longe de campos agrícolas onde pastam os gados das touradas à corda.
Olhando o mar lá no abismo, rosnando de encontro às rochas, sentimo-nos exíguos, guardamos reverência à magnificência da mãe-natureza…
É magia!
É tempo de descansar, caminhando pé ante pé no sobe e desce do cenário ondulante da arriba que nos surpreende em cada relance, com plantas de formas estranhas ou aquelas linhas desenhadas nas rochas, além, no mar, pelos caprichos da erosão sob a forma de uma baleia, um ex-libris da ilha, para ver de todos os ângulos, em admiração.
No topo de farol, como na Ilha da Fantasia, lá do alto, com ventania, de onde aponta o foco de luz aos veleiros, a vertigem de ver tudo, como um alcatraz, de asas abertas, sobrevoando em círculos…
Uma volta de 180 graus, com tempo para os sentidos todos, em êxtase, absorverem cada porção cénica.
Do mar turquesa, ao interior da ilha ornamentado com belos moinhos e muros de pedra negra, tanta coisa para a nossa memória guardar, num manjar para os sentidos que quase nos empanturra.
Sim, cheiramos o oceano infinito e o campo, imaginamos os mil focos de luz do farol apontados às noites de nevoeiro, os mosaicos de verde dos prados e os traços da costa, em rebuliço.
Saboreamos o sal no vento marinho, escorre no rosto a maresia e, sorrindo, levamos as mãos ao rosto para sentirmos que tudo é real!
Somos pequenos, pessoas, mas temos a ousadia de saborearmos tudo, que privilégio!
Somos do tamanho de gente, ante a grandeza da natureza, à procura do farol que nos ilumine e guie, na barca da vida…
Tão inesquecível quanto a beleza da silhueta da Berlenga
Visitar as Berlengas é místico para uns quantos…
É verão, faz calor!
Ao chegar, após viagem à proa da embarcação, quase tocando o mar, uma reentrância, de águas turquesa e rochas bronzeadas, recebe e convida a subir a encosta, até ao topo, o que se faz de pronto, com tantas gaivotas sobrevoando a ilha maior.
Os olhos veem tudo em redor, mas o trilho é estreito, um pouco íngreme até!
Ah, meu Deus!!! Um travo de ar salgado... As paisagens valem o esforço, deixando espaço para devaneios.
Por instantes, ocorre o filme “Os Pássaros”, de Alfred Hitchcock, com aquela cacofonia das gaivotas, quase assustadora, que faz olhar o céu, vezes sem conta, mas o perigo não mora ali - as aves apenas saúdam os visitantes, talvez!!!
Olhando em redor, tanto mar, tantas ondas que se abraçam às grutas do ilhéu, em calmia...
E há o vento morno de norte - bem-vindo sejas - que levanta o cabelo e refresca o rosto ressequido pelo sol do meio-dia.
Baixar os óculos de sol e sentir aqueles ares atlânticos, apontando a nascente, para admirar o casario branco de Peniche, a cerca de 12 Km, numa península com “lobos do mar”.
A caminhada faz-se sem esforço, no topo da ilha!
Olhando à esquerda, a belíssima baía de águas coloridas, com o forte de São João Batista, a única construção a sério da ínsua.
No antro do pedaço de terra, o farol, que se ergue para espanto de quem por lá passa, parando, olhado-o!
À direita, no oceano, as traineiras que trazem carapau e a sardinha da faina, para gáudio da passarada, num cenário que enche o peito de quem vê.
A vegetação é rasteira, com muitos chorões floridos, e convida a descansar, sem olhar para o relógio, para mais uma observação atenta das aves que sobrevoam a ilha, em bando caótico, como pontos brancos que parecem dançar o twist, no céu azul… Ao fechar os olhos, vê-se ainda melhor!
A Berlenga Grande é pequena, com cerca de 1,5 Km, ponto a ponto, mas tem graça!
Visitá-la é uma experiência tão inesquecível quanto a beleza da silhueta da ilha que se deita no mar, ao pôr do sol, no regresso a Peniche.
Feliz, na popa da embarcação, olhar sumiço para registo do momento, em fotografia... E guardam-se as vistas, no coração, em tintas doces-pérola, para sempre!