Em agosto de 2014, numa das minhas idas aos Açores, visitei as belas Ilhas de São Jorge e do Pico.
E foi na vila das Lajes do Pico que, num agradável sarau, com cheiro a mar, assisti a um espetáculo com violas da terra, típicas do arquipélago, “primas” das violas de arame encontradas em várias localidades do Continente, como a Braguesa ou a Amarantina, entre outras.
Foi um serão singelo, mas muito especial, com aquelas sonoridades que adoro a encherem o pequeno auditório repleto de açorianos e também alguns turistas.
Na altura, registei em vídeo algumas passagens para mais tarde recordar, como esta tão especial, com o famoso tema “Ilhas de Bruma”, um momento de afetos que cantamos todos de coração cheio em honra das “ilhas dos amores”.
E ilhéu me senti, das Ilhas de Bruma, naquele instante!
Textos falados de jovem sonhador. “À Luz da Noite”
Biscaya, nesta versão tão doce de James Last, é um daqueles temas intemporais, que ouço vezes e vezes, sem vontade de parar… à noite, por estes dias, acalentado pela saudade do outono da vida.
São extraordinárias as sensações ao ouvir este instrumental dos anos 80 do século passado, que tocam fundo, demasiado fundo! Não tem palavras, mas diz tanto!
Foi genérico de programa de rádio, são recordações de tempos que já lá vão, sob a forma de calafrios, pele morena, cabelos negros compridos, nostalgias agridoces, a preto e branco, Coca Cola na Arcada, gelados Calipo no Toural, na minha Guimarães, de pontos determinados da adolescência/juventude, num processo de amadurecimento, aquele, repentinamente acossado por certos acontecimentos… alguém partira e eu ficara, ali, à porta!
As nuvens negras fugiram há muito, a porta fechou-se, mas hoje esta doce canção, sem culpa alguma, ainda faz estremecer quando por ela se passa, olhando para ela com a ternura de um abraço que ficou por dar na hora da despedida!
Ao ouvi-la, de peito inflamado, fica-se mais quebradiço, ao deixar cair umas quantas lágrimas, recordando tantas coisas, tantas ansiedades… abrindo um programa de rádio, com músicas de vinil e sonhos falados de um jovem “À Luz da Noite”, nos idos 90’s!
"Don't Leave Me Now" - Aquela lágrima que brota do canto do olho
"Don't Leave Me Now", do álbum “Famous Last Words”, de 1982, dos Supertramp, é uma daquelas canções tão especiais que, há muito tempo, constam da minha tão exclusiva ‘playlist’ intitulada “Canções da Minha Vida”, no ‘Spotify’, que ouço quase diariamente, tantas vezes com o ‘repeat’ ativado… porque não me canso de a ouvir!
Faço-o para me deleitar as vezes que me aprouver, nas longas caminhadas ao entardecer, treinando no ginásio, escrevendo poesia ou, simplesmente, desfrutando em todo o seu esplendor acústico e melódico, no meu sistema de som, até às entranhas… como gosto de dizer.
Ouvi-la, de olhos fechados, é intenso, de punhos serrados é indescritível, provoca arrepios, é uma espécie de caminho para o clímax, um convite para sonharmos, batermos as asas que não temos e, sem saberemos, como por magia, levantarmos voo… até ao infinito, num céu azul sem fim, à procura do Sol…
Senti-la - esta melodia - no peito, é arrebatador, quase sempre o gatilho para aquela lágrima que brota do canto do olho… agridoce, que percorre o rosto até a saborearemos na boca, ao percorrermos as recordações, sob a forma de desencontros, equívocos e histórias que ficaram por acabar… de partidas precoces das pessoas que amamos… que recordamos e, sem conseguirmos, almejamos tê-las a nosso lado…
A música é assim, fala connosco e murmuramos com ela, sem saber, sobre tudo e sobre nada, a cada bafo, com ouvidos que veem.
Palpitação para o tempo que acabou de começar
Ninguém tem de saber, mas a melodia é uma guitarra, uma palpitação para o tempo que acabou de começar, em caminhos ao nevoeiro, sopros de dúvidas, pianos de angústias, harpas de medos, violinos de perguntas… sobre o lado de fora do postigo, de onde, em contrabaixo, se olha a noite para olvidar além ou quiçá convocar.
Contemplá-las, ali - as cores - ao sol de novembro que queremos abraçar!
Estas pigmentações de outono, com as suas matizes, nuances e degradés, seduzem as almas dos sonhadores de quimeras, por caminhos entre socalcos, do leito do Douro até ao cume.
Como no Caminho de Jacinto, de Eça, à passagem, sem pressa, quedamo-nos ali, com semelhante beleza, numa simbiose acabada, multicolor, entre o engenho humano de tempos idos, numa casa rural, e a ode da natureza, trajada com tantas cores cálidas, dos castanhos, aos amarelos e ao carmesim, que nos acaloram o peito só de contemplá-las, ali, ao sol de novembro matinal que queremos abraçar!
Descrever não é pintar. Aos poetas faltam os pincéis, faltam as telas, os cheiros das aguarelas, os cavaletes, mas sobram as letras de escriva, a alma que brota pela pena, em estrofes de emoção, pontuadas com a exclamação e as rimas maiores da vida, sempre!
O rio Douro é uma torrente de emoções quando o olhamos com vistas de ver, do cimo da serra, entre nuvens graciosas que o saúdam, como dedos que tateiam num veludo azul-celeste, com bordos de ouro.
O que vemos então? Vemos tanta água que brilha aos fios de sol, perpassando montes e vales, num leito curvilíneo, majestoso, como o rabelo, que segue até "Portus Cale".
Sob pontes do comboio, deixando para trás tantos socalcos de beleza, de miradouros com pedra de xisto, de cerejais sem fim, de ermidas e mosteiros românicos, de romances de Eça, de devaneios de Torga, ou dos néctares de Baco, sob a forma de cálices de Porto.
No cimo do pequeno monte, onde quase não havia casas…
Era uma vez, quando o país respirava as convulsões políticas no período pós 25 de abril de 1974, quando as televisões eram a preto e branco, quando as calças eram do tipo "boca de sino", quando os rádios emitiam em onda média, quando o Marco Paulo tinha dois amores e quando toda a gente se acotovelava nos cafés para ver a telenovela Gabriela ou o festival da canção da RTP, com o “Sobe, sobe, balão sobe”…
Terminaram as férias grandes, ainda faz algum calor, mas é quase outono, lá na escola da Ressa… no cimo do pequeno monte, onde quase não havia casas…
Quase cheira a castanhas assadas, dos magustos ou a broa de milho acabada de cozer no forno da casa do lavrador, ao lado da escola.
Meninas e meninos, elas de vestidinhos coloridos, eles de sandálias quase rotas… alguns de mãos dadas, em grande algazarra e correrias, naquele estradão de terra, vindos do Penedo, da Barroca, do Barreiro, da Pena Amarela, de Mouril ou da Moura e de outros recantos de Pevidém…
… Com aquele cheiro a eucalipto, das árvores atrás da escola, que bom chegar, de sacolas às costas, com os livros, as sebentas e os lápis… Alguns de bata branca, outros até um pouco nervosos, no primeiro e inesquecível dia de aulas!
Lá dentro das salas austeras da escola, os quadros negros, o giz branco, as tabuadas, os ditados, as redações, os temidos problemas de matemática, os rios e as serras de Portugal para decorar, mas também as nossas professoras, as nossas segundas mães, com as quais aprendemos a contar, a escrever, a fazer contas de somar e de multiplicar e a sermos, acima de tudo, boas pessoas…
A escola da Ressa era fria e pobre!
No Inverno, o vento agitava, zangado, o arvoredo em redor.
Tínhamos medo, às vezes!!!
Sim, as casas de banho eram retretes e as carteiras eram de madeira tosca e polida pelo tempo de Salazar. Mas nas janelas havia vasinhos floridos e nas paredes os mapas de Portugal, um crucifixo e o “a e i o u” com os quais aprendemos a ler…
Por lá, resplandecia o calor e a alegria dos corações das carinhas de crianças que éramos, dos meninos e das meninas, com tantos sonhos, que as fotografias de então, tiradas pelo meu saudoso pai, registaram para a posterioridade…
No recreio, jogávamos à bola, ao peão, à macaca ou líamos histórias aos quadradinhos do Pateta e do Patinhas ou as “Aventuras dos “Cinco” ...
E também se lanchava pão com marmelada, para os privilegiados…
E duas mãos cheias de quase nada, a barriga vazia talvez, para os desafortunados, que eram muitos, em tempos de um Portugal de bolsos rotos e muitas desigualdades…
Aquilo, em frente à escola, era um estradão, onde se brincava, às vezes enlameado, onde até passavam os carros, mas não havia medo!
O Volkswagen Carocha azul, da polícia, parava para os meninos poderem marcar o golo do Vitória!
Havia lá uma caldeira enferrujada, para a qual subíamos, para sermos índios, cowboys, tarzans, panteras cor-de-rosa, popeyes ou heidis, nas montanhas, de cabelos ao vento, como víamos, ao sábado à tarde, na série “Uma casa na Pradaria”.
Às vezes, ousados, subia-se ao Penedo da Lapa, ao estilo aventureiro da série “Os Pequenos Vagabundos”, onde até fizemos uma cabana com ramos de árvores e alguns farrapos, para, lá dentro, acender uma vela e o mais atrevido contar uma história de terror que fazia tremer de medo.
Que aventura, aquela!
Não havia telemóveis, tablets, email, nem redes sociais, mas havia uma vontade imensa de brincar, uma imaginação colorida para fazer aviões de papel com folhas das sebentas, andar de carrinhos de rolamentos, vestir as bonequinhas de cabelos dourados ou brincar aos doutores, meninos e meninas, em descobertas tão inocentes…
Aqueles meninos éramos nós, tão felizes… E não sabíamos…
Mas também havia aqueles dias maus, como quando as professoras davam reguadas e outros castigos, por erros nos ditados ou nas contas de dividir…
Foram circunstâncias dos costumes de então que nos fizeram crescer, sermos mais fortes, sem ressentimentos, para com esse passado e com as educadoras, às quais agradecemos, hoje, do fundo do coração, por tudo o que fizeram por nós!
Depois, quando acabavam as aulas, fizesse chuva ou fizesse sol, saía-se correndo, a maioria para o Penedo e para o Barreiro e para outros destinos.
À porta da escola, não estavam os carros dos papás, como agora, mas havia forças para regressar a casa, em convívio, sem cansaço, uns com os outros.
Sim, havia os deveres para fazer – hoje chamam-se trabalhos de casa – mas nada que nos fizesse perder os desenhos animados ou o “Carrossel Mágico” que dava às seis e meia da tarde, nas televisões a preto e branco.
O dia passava devagar naquele tempo…
Lá em casa, em família, havia meninas e meninos pouco abastados, mas felizes, para depois adormecerem e acordarem no dia seguinte, voltando alegres à querida escolinha da Ressa, para mais uma jornada de aprendizagem e tantas brincadeiras que se pintavam com os marcadores coloridos numa folha branca perfumada…
Ficaram, assim, as saudades, neste exercício de memórias que fui buscar ao meu baú grisalho, de recordações de tempos que já lá vão…
O tempo que passou não volta mais, mas recordar, ao estilo “Era uma Vez”, também é viver, como escreveu o poeta…
Meninos e Meninas fomos, hoje pais e avós somos, mas, para sempre, Crianças seremos!!!
A música é assim, fala connosco e murmuramos com ela, sem saber, sobre tudo e sobre nada, a cada bafo, com ouvidos que veem.
Ninguém tem de saber, mas a melodia é uma guitarra, uma palpitação para o tempo que acabou de começar, em caminhos ao nevoeiro, sopros de dúvidas, pianos de angústias, harpas de medos, violinos de perguntas… sobre o lado de fora do postigo, de onde, em contrabaixo, se olha a noite para olvidar além ou quiçá convocar.
O mar, a terra, o céu, as plantas, as rochas, o homem e tanto mais – o nosso planeta que brota vida, em rebentos de paz!
Que belo é, tão perfeito, mas de tão frágil equilíbrio, como uma tela de Michelangelo, que não devemos tocar, apenas admirar! Contemplá-lo em todo o seu esplendor é um privilégio, uma dádiva divina, e preservá-lo um encargo que nos obriga a todos, sempre!
O mar, o chão, o céu, as plantas, as rochas, o Homem e tanto mais – o nosso Planeta Terra que brota vida, em rebentos de paz!
Contemplá-lo em todo o seu esplendor, como Charles Darwin ou Carl Sagan fizeram, é um privilégio, uma dádiva divina, e preservá-lo um encargo que nos obriga a todos, sempre alerta, neste farol de vigia!
Sintamo-nos parte dele, porque nas águas do oceano e no azul do céu nos revemos, não perfeitos como aqueles poemas, mas o quão imperfeitos, outrossim, para deles, em redenção, sermos merecedores, geração após geração!
Olhando em redor, uma vez mais, para saborear de novo!
Há trilhos assim, que nos preenchem a alma, como bosques, de tantas fragâncias, de tantas texturas, de tantos retratos encantados, de tantos sabores frutados, talvez a maçã, de tantos riachos cristalinos, de tantos cogumelos, de tantos musgos, de tantas castanhas, de tantas pedrinhas, monte abaixo, monte acima.
Levantamos o rosto, em êxtase, olhamos árvores delgadas, em alameda alinhadas, que, lá do alto, com os seus galhos, quase ocultam a luz, mas, subtilmente, deixam passar um clarão de ouro, sob a forma de faias de outono, enquanto, no caminho, docemente, vamos pisando as folhas numa carpete de cores e sons, com passos que se arrastam sem pressa alguma, só temos vontade de inspirar profundo, ares frescos da Estrela, conter a respiração por instantes, e expirar suavemente, olhando em redor, uma vez mais, para saborear de novo, repetidamente!
A meio da grande subida enlameada, atrás de nós, apesar do chuvisco, apetece parar o tempo, quando olhamos, a poente, a montanha, onde o sol se esconde, por entre as nuvens, a caminho do mar, enquanto ouvimos o Zêzere, jovem rebelde, encosta abaixo…
Há sítios mágicos, como este, na Rota das Faias, em Manteigas, na Serra da Estrela.
Sítios onde nos sentimos em casa, um lar ancestral, tão belo quanto esta alameda, de folhagens mágicas, de tons tão quentes, com raios de sol entre chuviscos que brotam abençoados das nuvens de São Martinho na serra, de ares tão cristalinos que, inspirando profundamente, nos enriquecem o espírito e nos fazem crer que, naquelas paisagens, de peito cheio de paz, somos privilegiados por estarmos ali, por um bocadinho fazermos parte desse universo maior, saboreando-o.
Foi assim, há dias, e foi tão bom caminhar por trilhos, no sobe e desce da Estrela, ora à chuva, ora ao sol, com as partidas do outono, com o Zêzere, bebé ainda, sempre por ali tão perto, barulhento e fresco para nos molhar as botas, quando saltitamos entre as pedras do trilho ou passamos por pomares de macieiras, de castanheiros, de medronheiros, de nogueiras, de oliveiras e arbustos de azevinho à beira da aldeia, sem pressas, porque o tempo por ali sabe esperar pela fotografia certa…