E rabelos de sotaque encorpado na Ribeira com sabor a dobrada
A luz do nosso Porto, com tantas nuances, tantos traços até às águas, sombras e brilhos, é um cenário inigualável que o mundo só agora descobriu, conferido pelo Douro, de travo refinado, primaveril, as suas várias pontes de mil formas, pelos putos destemidos que mergulham do tabuleiro, pelos rabelos com sotaque encorpado, bandeiras ao vento Norte, e pela Ribeira das peixeiras e tabernas com sabor a dobrada e bifanas, como dos músicos, que se estende de elétrico, do palácio de cristal, dos apaixonados até à Foz, dos passeios alegres e finais de tarde, à espera do São João, vendo o pôr do sol quase púrpura, atrás da silhueta escura do navio que, roncando, rasga o fio de mar cheio de tudo e de nada, a caminho de Leixões!
Castelo Novo - pracetas ao virar da esquina, com tantas marcas medievais
Percorrer os caminhos de Portugal, como tanto gosto de fazer, permite-nos ver aldeias históricas encantadoras, escondidas pelo tempo, mas que, sabiamente, têm sido recuperadas e preservadas, sobretudo na Beira Interior.
Há, felizmente, alguns bons exemplos, como este, em Castelo Novo, no concelho de Fundão, cuja recuperação do edificado tem sido notável nas últimas décadas.
Já lá não ia há mais de 20 anos e lá voltei agora. Que agradável surpresa ver como floresceu aquele burgo que um dia vi quase abandonado.
Ver, agora, aquele casario, fontes, pelourinhos, palacetes brasonados, capelas, ruelas de pavimentos íngremes, pracetas ao virar da esquina, com tantas marcas medievais, destacando-se, obviamente, o seu castelo no topo do maciço rochoso, proporciona-me uma grande satisfação e orgulho de que, quando há vontade, mesmo o mais difícil se torna possível.
Caminhar lentamente na malha de artérias de Castelo Novo é gratificante, com tanto para apreciar, com fachadas em granito de casas de encantar, de pequenas janelas, onde os gatos, por entre as cortinas bordadas, de olhos fitos, veem quem passa, num domingo solarengo, de um azul céu infinito, de manhã, quando a missa de Ramos vai começar e os sinos tocam alegres à passagem da pequena procissão, com algumas crianças felizes.
E a aldeia tem uma paisagem circundante maravilhosa, onde não faltam trilhos pedestres para descobrir, no sopé da Gardunha, nesta Primavera cheia de flores, verdes viçosos nos prados, linhas de água cristalina à entrada da pequena urbe e fragâncias silvestres, como as da Cova da Beira, com sabor a cerejas, mel e laranjas à mão de semear!
Num de repente, à cadência do chuvisco que vai e que torna, nos trilhos da serra, algo nos diz que a vida é feita de cores difusas, ora em tons pardos, ora com subtis bafos de modulações cálidas, sob a forma de um arco-íris.
Quase como na epopeia do Noddy, que, do nada, na linha do horizonte da Gardunha, na Cova de Beira, se ergue, o arco-íris, num passo de mágica, qual pote de moedas de ouro cintilante…
Tudo isso para nos deleitar, por entre pétalas lindas, sem fim, de flores de cerejeira, alvas como a neve dos Andes, nos socalcos estendidas, aquelas que nos ameigam a alma, sem nos avisar, que nos interpelam com formas femininas e com tato de veludo que apetece tocar, sem machucar, tão sublime obra da natureza, com o seu pólen que as abelhas, que voam em obséquio de palatos, em seu redor, e transformam num mel tão doce quanto o prazer de o provar, de lhe sentir o aroma frutado, a cereja!
Que fresco arco-íris, que singelas flores - tanta formosura que as palavras se fazem parcas, abrindo alas para os silêncios que demandam ouvidos felizes!
Quais caminhadas, são alamedas para o coração dos que, de braços abertos, olhos postos na colina, se sentam num pedaço de muro, sob o manto de flores…
E, porque apetece, sim, chorar de alegria, por estar ali, ser parte daquele quadro da natureza que nos fez assim em forma de aguarela!
Com a Ponte de D. Luiz I agora, finalmente, de “cara” lavada, o nosso Porto ganhou novo encanto, ficando mais lindo ainda, uma autêntica tela que os pintores homenageiam, em Miragaia, e um poema que os nossos mestres rimam nas paredes fernandinas, à sombra da Sé.
Que bonita é a ponte centenária que liga à bela Gaia, de onde, entre as grades de ferro, como a partir dos rabelos, se pode ver o velho casario tripeiro que se estende, pardacento, até à Foz do Douro ou, na outra margem, as caves do Vinho do Porto, marca maior, uma cor rubi de Portugal!
Recuperar e preservar o nosso património é algo que, com letras sobre bronze, nos dignifica, porque reconhecemos os nossos pretéritos e legamos esse passado aos nossos vindouros, perdurando a nossa natureza como povo!
Alcácer do Sal é um tesouro recôndito do nosso Portugal, uma pequena cidade, muito antiga… que conheceu romanos, fenícios, visigodos, árabes e outros povos, como os de D. Afonso Henriques, a nossa gente!
Por lá andei, há alguns anos, apreciando, sem pressas, o seu desenho cénico, com o rio Sado pachorrento, os galeões do sal que beijam as águas, o casario branco alentejano, os vestígios árabes, o castelo islâmico, dos tempos da reconquista, hoje monumento nacional, e os arrozais, de longas vistas, a darem um acento cinemático e ares de outras paragens, inéditos no nosso quinhão.
Solo de guitarra espetacular, cheio de alma e mestria
“John Lennons Guitar” é um dos temas que eu mais gosto dos eternos Barclay James Hervest, a banda da minha vida.
Trata-se de uma canção original do álbum “Welcome to the Show”, de 1990, o antepenúltimo disco de originais dos BJH, escrita por John Lees, um dos elementos da banda britânica, que também dá voz ao tema.
No vídeo, é incrível e emocionante ver a guitarra de John Lennon, o instrumento “mágico” que tocava um dos mais carismáticos dos Beatles. Como se ouve na música, os Beatles eram os heróis de John Lees, que, nesta bela canção, recorda o dia em que, no início dos anos 70, tocou a guitarra da estrela de Liverpool.
Esta versão ao vivo, de meados da década de 90, às tantas ainda mais bem conseguida do que a original, nela vemos e ouvimos o grande John Lees, num solo de guitarra espetacular, cheio de alma e mestria, um dos mais emocionantes, porventura, da sua carreira.
É sempre uma emoção rever e ouvir esta incrível canção, de um álbum lindíssimo, que inclui outras composições memoráveis, como as baladas “Where do we go”, “Halfway to Freedom” e “If love is King”, entre outras, além do tema que dá o nome ao álbum - “Welcome to the Show”, uma canção “pop”, cheia de ritmo, muito bem produzida, demonstrando que os BJH não eram só uma banda de grandes baladas.
Desse disco memorável, que tem uma das capas mais bem conhecidas do grupo, onde não falta a borboleta (símbolo do grupo), tenho as versões em vinil e CD, que guardo religiosamente na minha coleção, que vou repescando, ao ouvido, quando dá vontade.
Quando percorremos o nosso país, por exemplo na raia beirã, a coberto da Gardunha florida, longe das bolhas da moda, encontramos sítios lindíssimos, com casarios medievais, de forais longínquos no tempo, que apelam às nossas origens.
E paisagens, de cortar a respiração, que nos fazem mais felizes, enquanto, privilegiados, contemplamos cada fragmento da nossa portugalidade, de tantas matizes, sem compromissos, porque vale mesmo a pena sermos como somos, assim, pessoas!