Santuário de Nossa Senhora do Carmo da Penha - Guimarães
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Nos últimos anos da década das cores garridas, os 80's do século passado, quando ‘teenager’ ainda, ensaiava as lides da rádio e idealizava ser “jornalista”, descobri algo que me tocou e que, ainda hoje, de certa forma, faz parte da minha pessoa: a música de Kitaro…
De passagem, apressado, da redação para o estúdio 1, para ler o noticiário do meio-dia, ouvi algo que me despertou: um som especial, doce, sereno, que saía do estúdio 2, então de porta entreaberta. Quedei-me, por segundos, deliciado, para depois seguir para a leitura das notícias do dia, “armado” em jornalista.
Minutos depois, de regresso, entrei no estúdio 2, onde ainda se ouvia aquela sonoridade. Um colega, de cabelos grisalhos, tocava um disco de vinil, enquanto, concentrado nos potenciómetros de uma mesa de mistura, gravava uma cassete num deck Technics.
Perguntei-lhe que música mágica era aquela. Logo retorquiu, questionando-me se eu gostava. Sorri e, prontamente, disse-lhe que não gostava nada, que adorava, tanto!
O Nelinho, assim se chamava o senhor, disse-me então, de peito feito e voz grave, que se tratava de Kitaro, um tal japonês que compunha música instrumental eletrónica.
Ali fiquei, em silêncio, mais uns minutos, deliciado, a ouvir uns excertos e admirando a capa do disco com carateres orientais.
Pedi-lhe, depois, com certo receio, que me emprestasse a cassete que acabara de gravar no estúdio a partir de um disco de vinil chamado “Silver Coud”, de 1984, para que eu pudesse levar para casa, na hora de almoço, e copiá-la para mim, o que acedeu, para minha surpresa.
Assim fiz.
Em casa, preparei uma cópia no meu Hi-Fi, escolhendo uma cassete TDK de crómio, de ótima qualidade, que, entretanto, comprara numa loja.
Ao final da tarde, regressado a casa, sentei-me no sofá da sala. Ansioso, liguei a aparelhagem, acionando o “play” da cassete que gravara na hora de almoço com a música “especial” do tal nipónico.
Com um volume generoso, devorei as músicas, deliciado com aquela sonoridade tão fresca, que mesclava, de maneira inédita, sintetizadores, instrumentos clássicos e até alguns sons da natureza, como o vento e o mar, em melodias suaves que me enchiam a alma até às entranhas. Eu não sabia, mas vivenciava, então, alguns dos momentos mais doces da minha existência, sob a forma de arrepios.
E, lá fora, a chuva batia na vidraça da janela, naquele dia cinzentão, para meu encantamento, olhando a automotora passar...
O terceiro tema daquele incrível álbum, intitulado “Dreams Like”, foi o que mais me apaixonou. Que beleza, que subtileza, que envolvência! Um festival para os meus sentidos exacerbados pela adolescência, uma viagem no éter, flutuando por entre nuvens e estrelas, como se via na capa do disco, em cartão, cheirando a novo, sonhando ser feliz um dia, numa estranha utopia, premonição aquela de um poeta sem jeito!
A noite chegara corrediça e, como fazia muitas vezes, deitado na alcatifa da sala, apagava as luzes e, envolvo numa manta fofinha e umas quantas almofadas, colocava os auscultadores, ouvindo a cassete vezes sem conta, soçobrado, olhando as luzes do Hi-Fi subindo e descendo, sem pressa, ao ritmo da harmonia, como o carrossel mágico do Franjinhas.
A minha mãe abria a porta da sala para ver se eu estava bem. Eu sorria, levantava a mão e ela sabia que eu estava no meu mundo, sozinho, como quase sempre, ouvindo aquelas músicas esquisitas.
Que prazer aquele, que hoje recordo aqui, ouvindo o vinil desta historieta, que fui buscar ao baú, enquanto escrevo estas letras sem graça, só para mim, à beira de mim, porque, egoísta, me apetece!
E foi esse vinil que procurei dias depois numa discoteca (loja que vendia discos) em Guimarães, onde eu costumava comprar os meus tesourrinhos. Peguei na cassete e, na loja, pedi ao senhor que a pusesse a tocar.
Quando ouviu, olhou-me e, orgulhoso, disse que conhecia, que era Kitaro, um "músico tipo Vangelis", disse, logo me levando a uma prateleira, onde lá estava o famoso disco, este que agora gira no meu cantinho, como há 34 anos!!!
Fiquei extasiado. Comprei o LP (capa deste post) e logo perguntei se tinha mais algum disco de Kitaro.
Disse que não, mas que podia mandar vir, importados do estrangeiro, os que eu escolhesse num catálogo da “Polidor”, que me mostrou, para meu deleite.
Começou aí uma paixão para a vida, a minha, sim!
Desde então, comecei a minha coleção. Primeiro em LP, mais tarde em CD e também em DVD, o primeiro dos quais trazido de Macau, por um amigo radialista.
Hoje tenho dezenas, que guardo, com carinho, apesar de agora ouvir quase sempre em formato digital, no Spotify ligado ao meu sistema de áudio. Mas quando o faço em vinil é algo mágico, que só um tipo desinteressante e 'démodé', como eu, sabe degustar.
Na minha coleção, são muitas viagens pelas diferentes abordagens musicais de Kitaro, ao longo da sua longa carreira, com influências de várias culturas, orientais e ocidentais.
Mas são os seus primeiros discos os que mais gosto, apesar de ainda hoje compor melodias maravilhosas.
O álbum “Dream”, de 1992, é, para mim, o disco mais completo, de um Kitaro já maduro, dono de uma capacidade sobre-humana. A música “Lady of Dreams”, vocalmente interpretada por Jon Anderson, que também cantou para Vangelis, é um hino ao amor e à vida, uma obra de arte eterna, entre outras lindíssimas desta ode.
Muitos anos depois do primeiro contacto com Kitaro, já no final da década de 90, assisti a um concerto dele, em Leon, Espanha, intitulado “An enchanted evening”, naquela que foi, quiçá, uma das noites mais encantadas e intensas da minha vida! Que concerto espantoso num teatro muito bonito!
Por agora, já cinquentão, vou revisitando regularmente a obra daquele extraordinário compositor, que hoje tem milhões de fans em todo o mundo, apesar de nunca ter sido um artista de massas!
Só um “a-propósito”: Gosto de ouvir Kitaro de pijama e robe, no meu espaço predileto, como agora, onde tenho o meu equipamento de som e a carpete sempre prontos para momentos a solo, na melhor companhia – aquela para onde a imaginação iluminar o espírito, no tapete voador, das mil e uma noites.
Armindo Mendes - 30-12-2022