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Marca d'Água

Marca d'Água

25
Abr22

Viva o 25 de Abril, viva a Liberdade!

Brincávamos e ouviram-se tiros, disparos de pistola


pinura mural.jpg

Era noite, no Vale do Ave, era tarde, no verão quente de 1975!

Criança de terna idade, encontrava-me dentro do café Ringo, onde o senhor Nunes entrara assustado, com a cara rosada e olhos bugalhudos.

 

O meu pai fechara de imediato a porta, quando do lado de fora se ouviam palavrões, de vozes graves, enfurecidas. Alguns murros e pontapés na porta, também!

Nunes, percebi uns anos depois, era militante do PPD e encarregado de uma fábrica das redondezas e fora expulso das instalações por um grupo de operários que chamavam “fascista” ao senhor.

O meu pai, socialista convito e seu amigo, acolhera-o.

Eu, assustado, sob proteção paterna, não percebia o que estava a acontecer. Só recordo o medo atrás do balcão!

Algum tempo depois, quando já não havia ninguém fora do café, saímos os três.

A noite estava estrelada!

O carro do meu pai, um velho Austin, estacionado em frente ao café, tinha sido sabotado: pneus rasgados e alguns vidros partidos. Lembro-me que tremia e chorava!

Talvez me tivessem roubado o pecúlio das gorjetas, do meu mealheiro, um porquinho de barro, que deixara dentro do veículo.

O meu pai segurava-me a mão para me acalmar. O senhor Nunes foi para casa, nas redondezas, e nós tivemos de o fazer também a pé, uns quatro quilómetros até ao centro de Pevidém.

Tudo aquilo era muito estranho para mim. Havia tensão no ar e o meu pai nunca largava a minha mão na caminhada, pegando-me às vezes ao colo nos zonas mais escuras, atravessando a ponte sobre o rio Ave.

Era o coração do Vale do Ave, zona da indústria têxtil pesada daqueles tempos, com milhares de operários que viviam em pequenas casas de rés do chão, quase todas iguais. Algumas ainda hoje perduram, como marca de um certo passado!

Na estrada, com piso de paralelo em granito, gasto pelo tempo, quase sem luz, o meu pai ia conversando comigo para me serenar.

Atravessávamos alamedas ladeadas por bairros e austeros pavilhões fabris, até chegarmos, próximos de casa, a um ponto onde avistamos um grupo de homens junto a um muro, fazendo algo. Eram vários!

O meu pai, que me segurava ao colo, abrandou a marcha, temendo o pior, mas logo alguém o saudou com um: “boa noite camarada” -, ao que o meu pai correspondeu.

Acabámos parados uns minutos, junto aos homens.

Passado o medo inicial, porque os senhores eram pacíficos, apreciei as pinturas que faziam, com pincéis e trinchas, com tintas em grandes baldes, de tons amarelos e vermelhos, de rostos de homens, de faces pouco amigáveis, murros levantados, com foices e martelos, estrelas, e alguns dizeres. Eram imagens fortíssimas, incríveis, para o menino assustado, mas um privilegiado, sem saber.

Eu assistia a um momento quase épico, à realização de uma grande pintura mural que perdurou por décadas, um trabalho artístico notável que refletia o período político revolucionário da época, o verão quente de 1975…

Percebi, anos mais tarde, que se tratava de uma pintura do MRPP, com uma mensagem política exortando à revolução e ao proletariado.

Fomos depois para casa, em segurança, e acabei adormecendo, com o meu pai sentado na cama, segurando-me a mão, para me tranquilizar, com a sua voz de timbre grave, carinhoso!

Ainda hoje, de quando em vez, sonho com aquele momento da minha infância profunda, que me marcou de sobremaneira!

Pevidém, terra de operários, de gente humilde, fervilhava naquele tempo, com as convulsões e as fissuras entre os grandes patrões do têxtil e suas famílias e a revolta dos trabalhadores, após anos de exploração, alavancadas por interesses político-partidários exacerbados, pós 25 de abril.

Um dia, crianças, brincávamos no largo de Santo António, e ouviram-se tiros, aparentemente disparos de pistola. Foram vários.

Sem saber o que se passava, corremos todos para casa, onde a minha mãe, procurando acalmar-nos, ia dizendo que eram foguetes das festas. Eu não acreditava!

Ficamos retidos em casa, enquanto da janela, espreitando, eu percebia, acabado o tiroteio, haver um grupo de pessoas que colavam cartazes nas paredes das casas, em grande alvoroço e palavras de ordem! Era propaganda do PCP, partido que granjeava grande simpatia entre o operariado de Pevidém.

Ainda hoje, a junta de freguesia daquela localidade do concelho de Guimarães, onde nasci, é governada pela CDU.

Todos os anos, por altura das comemorações do 25 de Abril, lembro este e outros episódios daquele tempo, como quando o meu pai, armado, foi para Braga, para um comício do PS, que acabou mal, felizmente sem consequências físicas para ele.

As forças democráticas e os seus valores, como a liberdade de expressão, acabaram por prevalecer no 25 de novembro de 1975.

Por isso, sei bem, hoje posso escrever um texto como este!

Eu era ainda muito pequeno e começava, descobri mais tarde, a acordar para o ímpeto de entender e interpretar o que me rodeava, um gérmen, quiçá, do que me tornei como cidadão e como profissional!

Pelo meio, tantas, tantas memórias, tantas “estórias” para contar, até hoje!

Armindo Mendes, 25 de abril de 2022

 

Imagem retirada de: https://comjeitoearte.blogspot.com/2012/04/pinturas-murais-da-revolucao-de-abril.html

24
Abr22

Parabéns, "filhote"

Ontem menino, hoje homem determinado


Foi há 21 anos, o dia mais feliz, do meu mundo

Nasceste, filho, vieste tão frágil, que grande emoção!

Encostei-te ao meu peito, beijei-te, num amor profundo!

O teu olhar no meu, sereno, no meu coração!

 

 

Cresceste, és o meu orgulho, voa alto, meu rapaz!

Ontem menino, hoje homem determinado

Força maior é seres assim, acredita, és capaz…

Neste dia, Bruno, confesso sou um pai babado!

 

Parabéns, "filhote".

 

 

 

 

23
Abr22

Pontos de amarelo ouro

Sugando cada grão, sem pressa!


camélia com abelha 2022c.jpg

Hoje fui abelha ali, molhado, na flor branca quase neve…

Com volúpia, suguei todo o seu rico alimento.

Ousei ficar mais feliz, sobre aquela pétala breve…

Com graça ei-de voltar para saborear o doce momento!

 

Visitei aquele encanto, com perfume a felicidade…

Na camélia alva subtil, sugando cada grão sem pressa!

Generosa dádiva da natureza, com delicada vontade…

Pólen para sagrado mel, o milagre de adoçar a tristeza!

 

A flor da japoneira tem pontos de amarelo ouro!

É tão fofa, tão frágil, esta singela oferenda.

Tão atraente, é a vida, o mais belo tesouro…

Tê-la no meu colo foi sorte minha, tremenda!

 

22 abril de 2022

23
Abr22

Não são poemas, porque o sol mal espreita

Gotas de chuva, como diamantes desfocados


Tulipa preo de branco.jpg

Dedos começaram, trémulos, a rabiscar rascunho de palavras que se vão acomodando para formarem estrofes de sentimentos e devaneios cruzados, como bafejo de primavera, ora sol, ora chuva, por entre nuvens matizadas, de cinzentos em degradê.

 

Nesta folha branca, do acaso, deixo-me flutuar, com braços que me enlaçam o peito, para sentir o meu palpitar, de olhos semifechados, à meia-luz, que quase me oculta o rosto.

Não são poemas, porque o sol mal espreita e faz frio!

São prosas, afinal, estes dias sem pedigree, jornadas de espera, paciência ansiosa, no desejo que o ímpeto tempere de novo a saga de ser, que percorre cada artéria da vontade de um simples mortal.

As folhas da palmeira vão-se agitando se graça do lado de fora da janela, com a vidraça de gotas de chuva, como diamantes desfocados, e luz de inverno, como espelho do momento, um intervalo, como aguaceiro feroz, rua abaixo, na aldeia, que vai passar, para logo a tarde se trajar de amarelo torrado.

Nesta alameda da vida, desconfiado, aperto o casaco, cubro a cabeça com capuz, para me proteger de não sei o quê, como fazemos quando sonhamos a preto e branco, olhando em redor, procurando o sentido real das coisas e, em sobressalto, acordamos cansados, exaustos da correria, mas aliviados por ter acabado a sofreguidão.

23 de abril

20
Abr22

Mãe, hoje farias mais uma Primavera

Eras uma mulher bonita, com classe, uma força da natureza!


IMG_20210926_001020__01 (002).jpg

Já há alguns anos que partiste!

Foste ter com o pai e deixaste um vazio imenso na minha alma!

Naquele dia, sem pai, sem mãe, fiquei “sem chão”, perdido algures, sem referências!

A tua despedida final, o teu último suspiro foi nos meus braços – e como doeu e dói esse momento.

Não preciso de dizer o quanto te amava. Tu sabias.

Era um amor correspondido, nas nossas cumplicidades, nas ruas da nossa Guimarães, passeando de braço dado, lanchando na Clarinha o teu bolo de arroz com cevada. Nós sabíamos, que ficou muito intenso quando o pai partiu!

Quando chorámos juntos, tantas vezes!

Eras uma mulher bonita, com classe, uma força da natureza!

O teu belo sorriso, a tua alegria, a tua capacidade de trabalho, ajudando o pai, e o amor incondicional à família eram as tuas impressões digitais!

Quando, em 2001, seguraste o meu filho recém-nascido ao colo, teu neto Bruno, foi uma das visões mais maravilhosas que eu tive na vida!

E recordo quando, em minha casa, me pedias para eu pôr tangos a tocar, sobretudo o "La Cumparsita", o teu preferido, para dançares comigo, todo desajeitado!

mãe e eu 2.jpg

Recordavas a tua juventude no Casino da Póvoa, eu sei, porque eras de facto uma mulher "fina".

De ti recordo tantas coisas boas e menos boas (doença), do meu tempo de “menino da mamã”, até ao teu momento final, precedido de uma agonia atroz e injusta para uma alma tão doce e generosa como a tua!

Um dia, já doentinha, com grandes dores de cabeça, disseste-me lá em casa, olhando-me nos meus olhos: “Eu não quero morrer, meu filho!!!”.

Já não sei como te respondi, mas abracei-te.

Para mim nunca morreste!

Viveste, vives e viverás no meu coração, até ao meu último suspiro!

Amo-te, querida mãe!

14
Abr22

Nas ilhas dos amores és menino

Subo e desço, contorno o vulcão, sua majestade!


Fotos Açores 2014 São Jorge e Pico (18) copiar 2

Hoje, olhar o meu lago, cá de cima, é tão bom

Sou açor de asas gris ao vento, sem norte, voando

Lagoa meiga, de ondas suaves, meu coração...

Olho-te, cheiro-te, ouço-te, escrevo-te, adorando!

 

Tua luz é hortência, teu brilho é flor de coral

Subo e desço, contorno o vulcão, sua majestade!

A lagoa dos patos é logo ali, eterna para se ter, sem igual...

Retrato-espelho da montanha, refúgio da saudade!

 

O brinquedo à vela rasteja teu colo fora, surpresa…

Ò lago doce, nas ilhas dos amores, és tão menino!

Planando, vejo o arco-íris sobre vinhedos e prados turquesa.

Na luz prata, matutina, sem tempo, foca-se o destino!

 

14 de abril

13
Abr22

Na Páscoa, os jarros da Zirinha eram tão belos…


jarro flor.jpg

Na minha memória, a Páscoa, nos idos anos 70 do século passado, era a fragância de flores dos tapetes coloridos nas estradas e caminhos que recebiam o Compasso, na aldeia...

 

Era o dia mais cheiroso do ano no meu lugar de Santo António, todas as primaveras, na idade da inocência.

Páscoa eram os asseios frenéticos da casa, dias antes, sob a batuta da minha mãe. Encerar o soalho da sala era tarefa dura, mas necessária, para aquele brilho e cheirinho especiais!

As idas à feira para comprar roupa e sapatos eram outro costume da época.

Páscoa era estarmos todos penteadinhos pela mamã, cheirosos com perfumes baratos, com camisa amarela de vastos colarinhos, calça vincada branca boca de sino e sapatos de verniz azul, tudo a estrear, como mandava o ritual, enquanto saboreávamos umas amêndoas cobertas de açúcar ou uns coelhinhos de chocolate.

Páscoa era, manhã cedo, ensonados ainda, receber o Compasso Pascal em casa, sonoramente anunciado, ao longe, pelos agudos das sinetas prateadas, que entravam felizes pela janela da sala, entre as cortinas tipo véu de noiva, balançando à brisa matinal.

Seguia-se o momento de beijar a imagem de Cristo, num crucifico adornado com flores pequeninas.

E o sorriso maroto para mim do senhor reitor, de vestes estranhas e dizeres impercetíveis, para a minha tenra idade.

Ele também nos salpicava com água, que a minha mãe dizia ser sagrada, mas só para os meninos bem-comportados, pensava eu, de mãos nos bolsos, a fazer figura, como os homens.

Lá em casa, a mesa da sala estava coberta por uma toalha branca, onde repousavam pequenos pratos tirados da cristaleira só naquele dia, com pedaços de pão-de-ló, doces brancos e muitas amêndoas. Também umas fatias de folar e cálices de vinho do Porto.

Por entre saudações calorosas e votos de saúde, oferecia-se aos mordomos do cortejo doces para saciar o apetite e metia-se um envelope branco num saco de pano trazido por um dos elementos mais jovens do grupo.

 

O azul do céu naquele dia era mais intenso do que nos outros domingos

 

As famílias, quase todas numerosas, saíam à porta das suas casas, impecavelmente limpas nas vésperas para receberem o Senhor, para saudar o singelo Compasso, exibindo colchas nas janelas e sacadas. Alguns lançavam pétalas de flores.

Os vizinhos conversavam, enquanto se ouviam nos céus os estrondos dos foguetes festivos lançados das redondezas do coreto, explicava o vizinho do lado.

Era uma atmosfera única, com os traquinas a correr para os campos, procurando as canas.

O azul do céu naquele dia era mais intenso do que nos outros domingos, dizia o meu pai, brincando. Os jarros da Zirinha eram tão belos no canteiro e os amores também.

Páscoa era ir depois ao padrinho Armindo, no velho Sinca 1100, do meu pai. Da rua D. João I trazia uma enorme rosca de trigo, que envergava ao pescoço, e uma nota de 100 escudos, com a imagem de Camilo e os seus bigodes, para o mealheiro, além da bênção e um saco de amêndoas de marca Vieira, bem saborosas.

No tasco do meu avô, onde éramos recebidos, a minha madrinha e tia Maria dizia, gargalhando sempre, que eu estava muito bonito e moreninho, e lá me dava uns rebuçados de café e um ovo de Páscoa, como bónus.

Nas ruas de Guimarães, cavalheiros engravatados engraxavam os sapatos à porta do café Milenário e meninos corriam alegres na calçada do Toural, entre as pombas que voavam sobre os jardins floridos e os bronzes altaneiros das igrejas barrocas da cidade-berço, badalando.

No caminho, de regresso, nas várias aldeias, íamos avistando outros compassos pascais que saudávamos com as mãos, a partir do carro, de vidros abertos.

Era muito bonito! Tantas sinetas tocando… Eu adorava e o meu pai também!

Páscoa era sentarmos à mesa ao almoço e comermos cabrito assado e arroz de forno, até não se poder mais.

Aqueles cheiros que da cozinha nos aguçavam o apetite e o meu pai sempre a chamar-me “Mindocas”, para me provocar uma risada de mimo. Sentava-me, à sua direita na mesa. À cabeceira, ele segurava por vezes a minha mão pequena. Ainda hoje sinto aquele toque quente!

E ainda vejo na mesa, em frente a mim, a minha mana com belas tranças e o meu mano mais novo desdentado, mas feliz, saboreando mais uma guloseima.

Páscoa era, à sobremesa, ter pão-de-ló tão fofo, doces brancos, leite-creme queimado sabendo a limão e poder provar um cheirinho de vinho do Porto Três Velhotes, o preferido lá em casa! Ah!!! Também havia pudim francês, para meu deleite.

Páscoa era alegria em família, o carinho do meu pai e o sorriso e a atenção da minha mãe, sempre muito bem arranjada.

Páscoa era, à tarde, sair ao largo para brincar com as crianças das redondezas, com mil cuidados para não estragar a roupa nova.

Jogar à bola estava expressamente proibido para não estragar os sapatos novos, que só voltaria a calçar aos domingos para ir à missa.

O jogo do lenço era um dos preferidos da pequenada. A macaca também, até ao lanche, com Sumol à mesa, bicas de pato e tantas amêndoas.

Páscoa era, ao fim da tarde, ir à igreja ver o recolher dos vários grupos de compassos pascais que tinham percorrido a terra, saudados pelos sinos a repique lá no alto da torre e por uma multidão de gentes alegres, como nós.

Quando éramos crianças, era tudo mais saboroso e mais cheiroso, e a Páscoa também, naquela e noutras primaveras!

Por estes dias de altos e baixos, recordo os meus queridos pais, ambos já na paz do Senhor, aos quais dedico este pequeno texto, agradecendo tudo o que de bom fizeram pelo “Mindocas” da casa lá de Pevidém: eu!

 

13 de abril

12
Abr22

Nuvens escuras e pedaços de calor

Sapatos de verniz para receber o Senhor!


Hoje faz chuva e faz sol, como as lágrimas e os sorrisos da vida...
Hoje olha-se o céu e veem-se nuvens escuras e pedaços de calor!
Hoje a Casa da Calçada está pálida, mas seu pátio desafia à subida...
Hoje o Tâmega vai delgado sob a ponte, mas chuvas da madrugada deram-lhe vigor!


Hoje na 5 de outubro turistas mirando as conchas de Santiago...
Hoje os sinos de S. Gonçalo e S. Pedro com badaladas quase canção!
Hoje o mosteiro está de portas abertas para receber as preces e cada afago...
Hoje, na última casa do beato Gonçalo, cravos são tantos como a devoção!

IMG_20220412_121035.jpg

Hoje os conventuais na gula de forasteiros e até certos caseiros...
Hoje nas confeitarias cheira a Páscoa de amêndoas, tanto sabor!
Hoje donas de casa pensam no cabrito para assados domingueiros...
Hoje meninos e meninas compram sapatos de verniz para receber o Senhor!

 

No domingo o Compasso Pascal vai sair à rua, à praça...
Que belo cortejo da Ressurreição do nosso Salvador!
Haverá campainhas a anunciar a chegada de divina graça...
Colchas de linho nas sacadas dos fieis, gesto de amor!

 

A Banda de Amarante virá à frente em grande tradição!
O pároco, sorridente, trará o belo crucifixo, que a Terra conquistou!
Para todos, em casa, beijarmos Cristo, com fé e comoção...
Água benta, um cálice de Porto, aleluia, aleluia, Cristo ressuscitou!

 

12 de abril de 2022

 

05
Abr22

Olhos desabrocham em lágrimas de coração

Milhões de pontos cintilantes, da cor da alma


Degustado, sem pressas, o arroz de favas, passeado o jardim palaciano de japoneiras e laranjeiras, a velha estrada 108 apresentou-se, como outrora, com curvas e contracurvas, sob um brilho de Primavera, imitando os caprichos do Douro verde, de Tormes, ao fundo, num sobe e desce, nos seios das serranias, para um intento a cada ano, que se engalana de branco, do mais branco que há, em cachos de delicadeza sem fim, quase sem cheiro, mas que fazem pasmar, em deleite, os espelhos do espírito.

 

A caminho de Porto de Rei, aquele sítio mágico, entre o rio e as serranias dos mosteiros românicos, que em socalcos curvilíneos sobem quase até ao céu azul, pintadas, por ora, de tons alvos, num espetáculo da natureza humanizada, tão desafiador que os olhos desabrocham em lágrimas de coração.

A descida para o rio faz-se vagarosamente, parando tantas vezes quantas o nosso espanto ordenar, para mais uma fotografia, para mais uma vénia, para mais um carinho à flor.

Na nossa mão, refletindo na menina dos olhos, cada pedaço de bagos brancos, de petalazinhas enroladas entre si, pitéu de abelhas, num ciclo mágico que embriaga a existência, a vida.

Tão veemente olhar em volta, acima e abaixo e por todo o lado, inspirar num misto de sofreguidão e prazer, aquele quase mar de cerejeiras em flor, em fervor, levemente ondulantes pela brisa. Impotente sou, não consigo parar o tempo, naquele momento em tons de sétima arte.

Lá, o Douro, para onde olhamos sempre e sempre, com pasmo, um rio imenso na sua alma das gentes do Norte, uma artéria maior por onde, desde tempos imemoriais, corre o nosso coração, o nosso sotaque, o nosso inconformismo, como povo, porque nestas terras do condado onde nasceu Portugal.

Em Porto de Rei é sempre assim, em abril, prados de flores silvestres e famílias que fazem os seus churrascos, desfrutando dos primeiros dias amenos, salivando por mais umas semanas, quando o branco que cobre a paisagem der lugar ao vermelho da rainha dos frutos, as belas cerejas de Resende!

Serão milhões de pontos cintilantes, da cor da alma, a corar a paisagem da Cidade e as Serras, para gaudio dos gulosos do fruto carnudo, eu confrade me confesso, tanto como as conversas.

Hão de ser muitas cestas a caminho das feiras da região, muitas improvisadas em bancas na beira da estrada, para os cavalheiros após jornada de trabalho levarem para casa, em belos cestinhos, com fitinhas de cetim, num belo presente à família, quiçá com rebuçados da Régua para os mais traquinas.

Na outra margem, o comboio que para Oeste leva outros como eu, do mundo maravilhoso destas flores tão belas, como manto de noiva, obra-prima do Criador, para nós!

No regresso às curvas e contracurvas da marginal, paragem, que a tradição ordena, para momento pecaminoso no centro da vila, sucumbindo à tentação das cavacas de Resende, sob a forma de milhões de calorias, para luxúria dos palatos gulosos dos mortais.

No centro de pequena urbe, quase sem gente, percebe-se o pôr sol, por entre os pilares do coreto triste, sem música há muito, e o arrepio que nos impele a apertar o casaco, que o verão ainda vem longe.

Na descida, até à ponte da Ermida, devagarinho no carro, tempo para pasmar com o espelho de água que se refastela, pachorrento, a caminho da foz, na Invicta, onde o sol se vai deitar daqui a pouco e a Lua acordar para pratear o rio com raios subtis e sobre os rabelos à beira da Ribeira, numa tela a preto e branco, como vultos de cálices de Vinho do Porto.

Resende cerejeiras em flor resende 2011 (74) copia

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