Ah, meu Deus! Que delícia, quero muito parar o tempo, como numa aguarela do iluminismo, com cheiro a regalo e tudo!
Não posso, mas esforço-me, sem dor alguma, mas sôfrego, por agarrá-lo!
Tonto, meto a cabeça entre os ramos para me perder em volúpia de aromas.
Os sentidos, arrepiados, desfrutam, qual pintor na tela.
Na colina à beira da estrada, sem carros, debaixo da amendoeira, prima de tantas outras, de joelhos, ergo mil vezes os olhos e a alma para um céu tão mágico, prenúncio estival, azul como o brilho do firmamento, paleta de cores em aguarela.
Que contraste maravilhoso com a candura das flores brancas, singelas, que dançam à brisa, numa valsa de violinos sem pressa, que só nos apetece tocar, com delicadeza e, como as cordas do instrumento, afagá-las, com jeitinho, para não magoar tão imensa dádiva da mãe-natureza. Tê-las, por instantes, na palma das mãos, contraste com a pele morena, é fazermos parte daquele mundo, em devaneio até ao ocaso, uma sinfonia em silêncios.
O nosso olhar cintila, banqueteia-se, embriaga-se com tanta beleza. Deriva entre as florzinhas de pétalas de neve, açucaradas com pontos de amarelo-torrado, rosa ou tons de mel, como que a abrir alas para as obreiras da Primavera, com zumbidos atarefados que do pólen que extraem acentuam a fragância florida, perfume a mel de Olimpo, sobre o vale da Vilariça ou paredes-meias com as gravuras do Coa, que os olhos pasmam, ao lado do caminhar pachorrento do Sabor, rios milenares de mineiros, fios de azeite de oliva e das castanhas para magustos de contentamento.
É incrivelmente retemperador correr como caracol, entre amendoeiras em flor, subir à rocha para mais uma fotografia, neste clímax sazonal da natureza humanizada, em calçadas medievais ladeadas com muros de xisto dourado, que acentuam as bermas pintadas pelas árvores, em alamedas, com vestes brancas sem fim, carregadas de fruto que saboreamos às vezes, sem culpa.
A passarada, sem saber, canta para os nossos ouvidos deleitados, nos seus rituais de acasalamento. Que belo concerto, de tantos timbres, com o Douro azul, escarpado, lá ao fundo, no horizonte, a breve brisa de inverno, às portas de muralhas e castelos, com ruínas de aldeias ancestrais aos pés.
E, de peito aberto, à espera de tudo, mergulhar nos bosques de amendoeiras, com um pequeno cachorro das redondezas encantado com a visita, qual guia improvisado entre dois povoados romanos de ruínas quase recobertas por ervas do desleixo humano.
O fim de tarde chegou com a pressa dos dias pequenos, com ele o segundo ato do espetáculo, o pôr do sol, cor de citrino, atrás das encumeadas, nas nuvens tímidas, que as amendoeiras acolhem para ficarem ainda mais sublimes, de tons dourados, efémeros é certo, mas tão belos que as óticas dos homens ousam querer registar, sem sucesso!
A noite caiu, à espera de nova aurora neste espetáculo que a natureza e a sabedoria milenar dos Homens bons de Trás-os-Montes proporcionam aos forasteiros, como nós, que nos vergamos perante um quadro de belezas tantas que as letras não conseguem alcançar.
Só a alma, como o luar de Torre de Moncorvo e os nossos antepassados do Coa souberam sentir e guardar no coração, numa pétala de flor de amendoeira ou num esboço paleolítico, no xisto, para todo sempre!
Em existências como esta, com velas latinas que se obliteram sob os engulhos do destino, é quando a alma dos servos indaga o alento celeste dos de além, dos ancestrais, na prece do coração, o nosso, por clarões de esperança, por um arco-íris até ao mar da tranquilidade, azul-turquesa.
FOTO: Armindo Mendes (Direitos Reservados)
Numa barca com insígnias de paz que baila aos ventos alísios, uma barca de opala com convés acolchoado com penas brancas, suprido de sustentos para os corpos e para as almas, até avistarmos, no firmamento, a constelação “Apuse”, a ave do paraíso, a apontar para a praia de areias brancas, onde espera Ariel, o arcanjo da natureza e dos animais, com açafates de salmão, pão de Deus, cocos refrescantes, uvas moscatel e papos de anjo, para sermos todos irmãos que se abraçam em gesto perpétuo, maior que tudo e que todos!
... A música é uma das seis artes clássicas e o que de mais belo convoca um dos cinco sentidos humanos: a audição - um carreiro para a nossa alma.
A clave de sol abre alas para a pauta das notas em partituras de sopro, voz, cordas, percussão e eletrónica que a batuta do maestro cadencia.
Há séculos idos, a criatividade humana criou a magia da música.
Como o pintor renascentista na tela, o ator de, toga, no coliseu de Roma ou Mérida, declamando Omero, ou o escultor de Creta no mármore dando forma a Ulisses, o compositor imagina e pinta ressonâncias, dá linhas de melodias a uma amálgama de notas musicais, dó, ré, mi, tão sabiamente encadeadas que resulta em fá, sol, lá, quais obras-primas, como as valsas, as sinfonias, os fados ou as óperas dos autores clássicos, e até no pop-rock dos nossos tempos, numa linguagem universal, de Behtovan a Pink Floyd, que escusa legendas e une os povos à volta de uma canção de amor, de uma trova que exalta valores, um hino trauteado em todas as latitudes geográficas e de peitos de aquém e além mar, não importa a cor da pele ou o credo.
Dos dedos agitados do guitarrista, da subtileza que afaga a harpa, da voz do tenor que se ergue para lá do comum-mortal, do requinte do xilofone ou do sopro de prata do trompetista transpiram ecos, como os gemidos do violino e os graves da bateria que calam o silêncio da superficialidade, como a pena do escritor que rabisca à luz da vela com palavras de narrativas uma folha branca, para a transformar num soneto de belas rimas ou numa ode ao deleite dos sentidos, da contemplação, da imaginação de contextos, de amores arrebatadores, que até as telas de cinema obsequiam em grandes produções que só a sétima das artes ousa fazer, num clímax de emoções, até onde a chama houver.
É a dança das artes que no palco dos vivos e dos nossos maiores já partidos, com alma, rasga a banalidade, que faz de nós seres com pracetas de estilos vários, que, nas calçadas da nossa quietude, à lareira ou na margem do riacho, clamam por ritmos, cores, declamações a partir do Restelo, ou poemas, sermões aos peixes e outras linguagens para os sentidos, esses, os nossos pelo coração ligados, que dão sentido à vida, que nos tocam o âmago, como uma música, a da nossa vida, que nos tatua a alma, como um campo de malmequeres que ondulam ao vento, por entre a neblina fresca da alvorada ou páginas de um livro aberto ou uma tela de Van Gogh, em tons ora pastel ora arco-íris.
A música é contemplação e o janelo para olharmos com os ouvidos, de peito feito, para o milagre de sentirmos, de existirmos...
Foi também o fundador de um pequeno burgo fortificado, designado ‘Vimaranis’, derivado do seu nome, atualmente a cidade de Guimãrães, que foi o principal centro governativo do Condado Portucalense. Foi em Guimarães que faleceu, em 873.FOTO: Armindo Mendes (Direitos Reservados)
Tato, poder alma de outrem afagar; Tato, dedilhar-lhe o coração; Tato, olhos sem brilho enxugar; Tato, abraço de pai em rebento filho; Tato, percorrer pele sem destino, volúpia; Tato, cama sôfrega ou dar a mão!
Olfato, prados de aroma em Sol maior; Olfato, fragrâncias do corpo doce de amoras; Olfato, entender cada flor carmesim, Afrodite até ser dia; Olfato, abrir cacifos de música em cristal; Olfato, desnudar de papoila, em pátio de Córdova, peito cheio...
Paladar, como vida, ora doce, ora sem graça; Paladar, sabor a framboesa coberta de agridoce; Paladar, manjar de castanha, espírito Luso, o fado; Paladar, gelado de manga, em dança de bombons! Paladar, amêndoas recobertas de mel, após frutos do mar!
Audição, aquele flautim de palpitações da vida; Audição, queixumes, contrabaixo sem voz, só dor; Audição, em León, delírio de Kitaro que serena; Audição, sinos de Mafra que atiçam seres sem flama; Audição, liras de assombros ou violinos de amor!
Visão, Cosmos na penumbra da sorte; Visão, ver rimas de afetos na autora; Visão, esperança nas brumas das Atlântidas, cabelos à maresia no canal; Visão, nos feitiços da Lua os fragmentos d`alma;
Visão, palatos, partituras, odores de centeio, sermos maiores!
Lmbrando tantas vezes Kiev, cidade com irmãos e filhos como os nossos e pais como os de Mirandela!
A magia da música com volume e ritmos desapressados, a tocar a alma, enquanto lemos um belo poema, num livro de páginas cheirosas, de damasco, macias ao dedilhar, num rodopio de palavras que nos consolam, que nos aguçam o espírito, entre devaneios tantos, de março domingueiro, sob a luz sépia, quase bronze como os solos de lá, e do prado de oliveiras, em fim de tarde latino, como nos filmes de acento francês, pontuado com pepitas cor de flor de amendoeira.
Aquelas que nos atiçam a vontade de saltitar, descalços de orgulhos, atrás do sol, o astro da vida que, ora sisudo ora de sorriso, se põe a Oeste, atrás da montanha, ali onde soam, com ecos, com vagas de ressonâncias dos ventos de Norte perturbados pelos faróis dos carros, os dos homens que rasgam a paisagem...
Sim, as flores amarelas, petizes, natureza pura, ainda são carpete de sonhos, onde me sentei, só dos ousados, outrossim, que o zum zum, zum das abelhas cor de mel vão adormecendo para um serão frio, na Terra Quente, de azul quase estrelado, curiosa ironia que lembra a bandeira da Ucrânia.
O assobio do pássaro, ao longe, tipo, humano, interpela-nos, em todos os sentidos, no quase luar minguante!
Volto-me para nascente, não ouço o rebombar das bombas a Leste, nem os gritos lancinantes dos inocentes, só vejo os cavalos que pastam graciosos no vale de verde viçoso, à frente da cabana, que vão dormir, como o rebanho de ovelhas que, à ordem do pastor solitário, como na canção, sobem a colina, guardadas por dois cachorros que ladram só porque sim…
E logo as lãs, em fila ordeira, se escondem atrás do monte das oliveiras, com sopé de trilhos de ferro de um progresso, outrora a vapor, caído ora em ruína, por terras de Mirandela... À margem do Tua, rio de filões minerais que os romanos exploraram, hoje calados.
Já na pequena urbe, homens enrugados, desconsolados por vidas duras, esbracejam, bebem minis no tasco do costume, numa parafernália de conversas sobre as guerras fratricidas de hoje dos povos eslavos, irmãos desavindos, sem culpa, pela ganância de tiranos, cinzas nos pensamentos, num dia como outro qualquer ou talvez não, que eu vi passar, caminhando, olhando para tudo ou nada, de olhos fechados, lembrando tantas vezes Kiev, uma cidade com irmãos e filhos como os nossos e pais como os de Mirandela!
Ali João Paulo II, o Homem de Branco, um dia ergueu as suas preces, num momento perpetuado por nuvens de inquietação com as loucuras paranoicas dos Homens de ourora e de hoje.