Há músicas intemporais, que nos acompanham ao longo dos anos, umas vezes porque as associamos a momentos especiais das nossas vidas que queremos de alguma maneira perpetuar na nossa memória, outras, simplesmente, por serem tão bonitas, que nos proporcionam um prazer imenso ouvi-las, como esta de Joan Baez – “Diamonds and Rust”, que me remete para os tempos de menino, nos 70`s, quando ouvia no rádio do carro com os meus pais.
As palavras, como as flores e os sonhos, têm a idade, o tamanho, o tom, o cheiro, a textura, o caminho, o tempo, o idioma e as formas que queiramos!
São peças de Legos universais que, sentados no quarto, de meninos de calções e sandálias em tarde de veraneio vamos montando, de olhos grandes de felicidade, para criarmos carreiros imaginários e castelos encantados, com torres altaneiras e túneis secretos que percorremos em segredo, como nos Pequenos Vagabundos.
E quando a alma não é pequena, os castelos trajam-se com vestes de gala, bordados com linhas de ouro, botões de rosas, punhos de rendas e botins de cristal.
Alaúdes, tambores e flautas tocam em apoteose, abrindo alas… E lá vai o cortejo real, no casario da Rua de Santa Maria, com estandartes, cavaleiros templários de armaduras reluzentes, pajens, trovadores, alquimistas e almocreves para, com cantigas de amigo, dar cor sépia ao mundo de maravilhas que sonhamos fazer parte, num cavalo branco, o Pégaso do Olimpo, com asas de plumas, galopando entre as nuvens, até ao arco-íris do tesouro, onde já lá está o Noddy, de Enid Blyton.
Pelo caminho vemos Vicky, o Viking, navegando com o marinheiro Popeye, nas mil e uma aventuras de Tintim, à procura das cabanas de Tom Sawyer, das traquinices de Scooby-Doo ou atos heroicos de Flash Gordon e Robin Hood, da floresta encantada da Branca de Neve o os Sete Anões, ou dos Estrunfes que a minha memória guarda a sete chaves.
É tudo tão bonito e doce como as manhãs de sábado com o Verão Azul ou intenso como as tardes de Galáctica e Sandokan, e as noites de medo das metamorfoses de Maya, de Espaço 1999.
E o cavalo branco e o seu cavaleiro, qual Zorro, Braveheart ou Lin Chung, galopam entre os nenúfares sobre o atlântico, passando pelo Barco do Amor e Moby Dick, para Oeste, até chegar às Sete Cidades, da Ilha Esmeralda, e ali, escondidos sob dos vulcões, ver os namorados que há tanto tempo choram lágrimas verdes e azuis entre a bruma, formando as duas lagoas infelizes, numa lenda 'NeverEnding Story, existir'!
Algumas músicas, tocam para o mundo, outras tocam só para nós, não sabemos bem porquê, marcam o percurso de um alento, convidam-nos, esta noite, a revisitar os nossos heróis do passado mais profundo, abrindo os cortinados da alma ou as chuvas que já caíram, os rios que já se debruçaram no oceano.
Os castelos romanos já caídos, as citânias que são guardiãs do pretérito, onde ainda cheiramos suores celtas do noroeste peninsular – nós!
Os ritmos das baladas são tão como nós, que nos confundimos com eles, em encruzilhadas de sopros e cordas que tocam para o mundo, que nos bafejam o rosto, como acordes que balanceiam as folhagens do grande carvalho da aldeia que afaga o moinho dos murmúrios e que deixa por onde passamos um tapete de tons de outono que pisamos ontem, hoje e amanhã, num caminhar lento que sucumbe à vontade de, simplesmente, nos deixarmos planar sobre a cascata.
Para podermos inspirar o ar do bosque e olharmos em redor, como esvoaçando, saboreando o prazer sem graça de estarmos a olhar, com argúcia de felino, para lá do que vemos, num exercício turvo de solidão, com tanta gente.