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O coração dita coisas num cantinho de silvestres flores…
E ele, o coração, bate, cresce, sabe disso!
Abri-lo é sentir delírios, às vezes dores…
Depois, as abelhas lá do Marão vão lavar a alma, qual feitiço!
Que bela colmeia de coisas doces,
O mel feito alma, inocência, em cada um!
Colmeia intimista dádiva de luz, alvorada precoce…
Ou dia de primavera sob chuva de estrelas, ainda em jejum.
O coração é reportório de coisas, às vezes rechonchudas…
E cabe sempre mais um bocadinho, grande ou pequenino.
E apertar cada pitada, em palavras ao ouvido, carnudas…
Para o antro se tornar terno, agridoce ou de travo fino.
E deixar entrar mais abelhas do pólen neste sublime caminho…
Da felicidade, da paz, da querença, da vontade de dar, que não finda.
As obreiras são assim, voam baixinho, são mensageiras do amor…
Em abraço, da vida, da esperança, que coisa, meu Deus, tão linda!
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Quero gritar em silêncio para ninguém ouvir.
Quero gritar calado para os mal espantar.
Quero gritar murmúrios para o pesadelo partir.
Quero gritar segredos, mordaças libertar.
Cerro o punho e esmago sonhos reprimidos.
Cerro o punho e aperto afeições do passado.
Cerro o punho e agito fantasmas de projetos falidos.
Cerro os punhos e calo-me, sisudo, num mundo fechado.
Olhos húmidos que, ao zimbro, se perdem por aí.
Olhos húmidos para dentro sem saber porquê
Olhos húmidos menos lá, mais aqui
Olhos húmidos, estafados de tudo e não sei o quê!
Armindo Mendes
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Abro os braços meus para abraçar cada bocadinho
Abro o peito meu para sentir cada pedaço
Abro o coração meu para palpitar o carinho
Abro a alma minha para saborear o teu regaço.
Caminho ali entre carvalhos, becos e guigas
Caminho de mão dada com o rio dos altos poetas
Caminho na passerelle de belas raparigas
Caminho em solos de pintores a óleo e quiçá profetas.
Abro os olhos meus e vejo o manto da princesa
Abro os olhos meus e vejo os sabores dos conventos
Abro os olhos meus para as preces ao beato, a promessa
Abro os olhos meus tacteio as rosas dos ventos.
És bela, ò terra de gentes grandes das artes
És belo, ò Marão hirto nos cumes de orgulho imenso
És belo, ò Tâmega quando chegas ou quando partes
Sois belos, Amadeo ou Pascoaes, de esplendor intenso.
Afago os jardins das resistências heroicas ao franco canhão
Afago as praças das cheias que sangram as nossas memórias
Afago as pontes, açudes e azenhas de tempos que já lá vão
Afago violas com corações e rabecas das amarantinas histórias.
Subo a São Pedro, subo a São Domingos e a Santa Clara, em encanto
Subo as calçadas dos já partidos e miro a varanda dos reis, de São Gonçalo
Subo à Madalena, São Veríssimo, Santa Luzia e ao Covelo, que olho com espanto
Subo ao Conselheiro ou Solar dos Magalhães para o coração de Amarante, fitá-lo!
Fotos de Armindo Mendes
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E há rios imensos de sonhos para contar, só há que abrir as asas e voar.
Sem medos, deixar a caneta voar, voar, voar!
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É lindo olhar o mundo lá de cima, ficar tão leve e sentir a brisa que refresca a alma.
Que espicaça nas asas de um devaneio que se pode contar em estrofes de encantar.
E fazer cantigas de amigo ou cantigas de amor, sem contar, com ritmos e tons que as letras vão mostrando como notas musicais!
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Sentado numa rocha vejo a luz do meu mar
Estou ali, só, e vejo a minha pele descoberta
A água é sal que chega para a dor atiçar
A maresia de Norte com a alga partiu para parte incerta?
O Norte, como a estrela, diz-se, é o rumo ao polo certo
Mas como é o polo do Norte ou do Sul num mundo ao avesso?
O sol na linha do horizonte à espreita da Boa Esperança ou do deserto
A tempestade trará a bonança? É como eu, trovador, assim peço.
No meu mar vejo marujos e sereias envoltos em papoilas e malmequeres
No meu mar salgado vejo montanhas verdejantes pintadas de cerejeiras
No meu mar vejo rios, vejo os acasos serem fecundos para todos e quaisquer
No meu mar há corações sem sangrar para sorrirem nas floreiras.
Armindo Mendes
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Fugas são corações que se deixam para trás para continuar em frente?
Fugas são ir em frente e olhar corações para trás, em sobressalto
Fugas são ir em frente e ficar perdido entre a corrente
Fugas são querer parar, andando em terreno alto.
Fugas é abrir o livro das histórias já versadas
Fugas é ouvir as músicas nos vinis do tempo
Fugas é ir ao armário e ver o pretérito em almofadas
Fugas é aguarela em pastel sobre tela em desalento.
Fugas a subir as escadas e sentir o coração ficar
Fugas é teclar, teclar e a escrita em pó sangrar
Fugas é olhar a lua e sentir sem respirar
Fugas é olhar o mar de Moisés e ver o milagre fechar.
Fugas é caminhar no bosque e ouvir o riacho calado
Fugas é cheirar as plantas desprovidas de odor
Fugas é inverno de moinho só, de portas cerradas
Fugas é ousar ser o que se é, um sonhador.
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Fugas são caminhos estreitos
Fugas são labirintos sem fim
Fugas são dores nos peitos
Fugas são corações assim.
Fugas são memórias
Fugas são palpitações
Fugas são histórias
Fugas são turbilhões.
Fugas são rodopios
Fugas são olhos baixos
Fugas são arrepios
Fugas são fogachos.
Fugas são olhar atrás
Fugas são cara salgada
Fugas são aquém da paz
Fugas são a triste estrada.
Fugas são cair e cair
Fugas são recolhimento
Fugas são ter de partir
Fugas são duro sofrimento.
Armindo Mendes
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Língua que se retrai no primeiro beijo.
Anichada na caverna, oculta por cortina de batom.
A língua espreita doce, miras em lampejo.
E, na boca do passo doble, já num baile em bom tom.
Língua de Romeu que ondula em tango um pedaço de ser.
Língua húmida de Julieta que flutua em devaneio.
Língua que acaricia outra gémea, por se ter.
Línguas em par são passos em bolero, ritmo sem freio…
Essas línguas enrolam-se, em dança, em ternura.
Essas línguas saboreiam sucos, receber e dar.
Essas línguas segredam o que perdura.
Essas línguas, aves de Danúbio Azul, de amor eteno segredar…